[1] RENASCIDA DAS TREVAS

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< Innamabel Gertsner >

Seus gritos estiveram sufocados porquanto sua silhueta se esfacelava ante as chamas que avançavam para cada vez mais próximo de seu nu e frigido corpo. Seus longos cabelos castanho-avermelhados estavam próximo o suficiente para as chamas que serpenteavam pelo chão começassem a chamusca-los enquanto olhava para baixo sem entender, sem poder mover-se, sem poder reagir porquanto estava de cabeça para baixo, fitando o chão com os olhos verdes diminutos diante da iminente morte naquele símbolo blasfemo.

O altar da igreja já havia queimado, assim como todas as suas cadeiras que formavam uma plateia encantada com a majestade das chamas que avançavam, estalando as vidraças novas e fascinando a noite com o show de luzes fantasmagóricas enquanto todos, distantes dali, dormiam sem preocupações e sem a vaga noção de quem ou o que havia posto a reencarnada numa cruz invertida.

Ela se debatia, e a pele cinzenta estava muito perto de se liquefazer, se não fossem as sombras que adentraram ao santuário, arriscando-se contra a fumaça para chegar até ela e de lá derrubarem-na no chão. Um homem robusto a tomou pelo ombro enquanto o outro a segurava pelo meio, ambos marchando para a saída, enquanto que sua cabeça girava e os pensamentos distantes compreendiam apenas as trevas e nada mais, pois ela lutava uma batalha interna contra tantos outros que a cercavam, como zombeteiros espíritos que mordiam fortemente seu braço e pernas, exigindo, tapando seus olhos, clamando em pavorosos gritos a sua presença junto a eles lá, no mais profundo do abismo.

Eles por fim haviam saído da igreja, afortunadamente instantes antes que alguns aldeões saíssem de suas casas e vissem o apostolado arder em chamas, com um sigilo crivado em uma de suas pilastras ainda de pé.

E dizia o inscrito: A primeira.

— Ж —

Enrodilham-na a correntes nos braços e em ambas as pernas para que parasse de se debater. A boca vertia um sangue escuro e borbulhante, e sua mente parecia tão distante que parte da dor física que sentia, das correntes que lhe queimavam os braços, nem faziam jus a sua verdadeira dor; a que estava em sua mente enquanto lutava.

Uma mulher de meia idade surgiu das trevas diante do antigo templo no qual adoravam suas próprias divindades antes do advento cristão instalar-se naquele pequeno e misterioso vilarejo, acentuado na noite e sustado por seus estranhos cidadãos, sempre desconfiados e sempre tristes desde que a guerra havia lhes cercado e tirado de seus rostos a felicidade, a liberdade e a vontade de viver.

Os tempos difíceis perscrutavam tudo e afastava as pessoas umas das outras. A tristeza e a loucura permitiam que o mal se assomasse e ganhasse cruel forma física.

O sofrimento da jovem não amenizou, do contrário, aumentou quando ela fora imersa em uma velha bacia de madeira preenchida até o meio com sangue do gado recém abatido e da chama que foi posta à sua frente para que ela a encarasse, usada como combustível para aquele ritual que a traria de volta a realidade — que estava sendo controlada pelos demônios que haviam se apossado de seu corpo naquela madrugada silenciosa em que seus gritos preenchiam a tudo, mas em nada assustavam a trindade que se ocultava naquele templo.

Até que enfim conseguiram faze-la parar de se debater.

Seu hálito manou uma nuvem do mesmo carmesim de seus olhos densos e sem vida.

A matrona do grupo por fim trouxe a mão uma infusão e tocou na testa da moça com apenas um dedo, fazendo seus olhos seguirem-no até ela abaixar a cabeça e seu corpo esmorecer o suficiente para retomar o mínimo de sua consciência.

— Gertruida, você conseguiu — citou um dos homens a senhora mais velha, desprovida de cabelos sobre a cabeça, mas com a melhor cabeça entre todos naquele convento.

Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)Where stories live. Discover now