[29] AS NOIVAS SE PREPARAM

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Enquanto isso, no entanto, era Valentin quem detinha o silêncio pétreo naquele velho templo. Encarava o chão, os pés cinzentos descalços de forma vítrea e vazia, pois queria cercar-se de conforto, mas a única coisa que realmente conseguia era inferno e lembranças de um passado onde foi herói, um guerreiro valoroso e respeitado por todos. Seus gritos de guerra, a terra molhada sobre o rosto servindo como mascara contra insetos, a grande espada que carregava e o cavalo branco chamado Atticus em que cavalgou por muitas batalhas, sobretudo em sua última onde foi entregue a espada.

Lembrava ele da sensação de prazer que sentia sempre que caia do cavalo e se levantava e agarrava as rédeas de couro com ambas as mãos antes de desafiar a fera a derruba-lo mais uma vez. Tudo isso diante da mais bela que encontrou e por quem se apaixonou por seu lado grosseiro, porém fiel e notavelmente nobre. Os toques, as mãos unidas, o calor de suas mãos sobre o corpo nu dela.

Nada disso mais podia sentir tanto pelos séculos terem afastado-o das suas felicidades quanto pela última delas ter sido arrancada de forma tão cruel.

Sua mão direita era agora um toco enfaixado e nada lhe servia como alento, nem mesmo a presença de sua mais antiga companheira de caminhada, com quem lutou ao lado muitas das mais difíceis batalhas contra seus próprios irmãos.

— Você está bem, meu guerreiro? — perguntou gentilmente, assentando-se ao seu lado numa das cadeiras do templo que não havia se queimado com a ira de Innamabel.

— Acabou, Dália... não sou mais um guerreiro.

— M-mas você ainda é exímio estrategista.

— Não! Não me considere mais por qualquer alcunha — trovejou ele, desabando com a armadura de gentileza de sua parceira. — Não me de títulos... pois não os desejo mais agora que perdi tudo o que me ligava ao que restou de humanidade em mim.

Perder a mão lhe era motivo de vergonha. Talvez nunca antes esteve tão depreciado quanto quando olhava para aquele maldito toco e não havia mais uma mão que pudesse manusear uma espada, uma lança, um machado sequer.

— Você não entende, Dália — prosseguiu. —, é como deixar de ser um homem completo. Meu corpo foi pisoteado naquele campo de batalha depois que uma lança atravessou meu coração, aquilo doeu, mas não tanto quanto perder a mão. Quem dera pudesse recola-la no lugar, como fizemos com o coração de Innamabel. Mas a culpa é minha, Dália. Fui tolo... fui desprecavido e arrogante em minhas escoolhas. Agora... eu renego a minha honra e... — ele levantou-se com um giro. — Por favor... seria você capaz de me matar?

— O-o quê? — Dália pulou de igual, tomando-lhe os ombros de forma cômoda, exigindo respostas. — Valentin, não pode fazer isso! Não pode nos deixar... Não pode me deixar. Não pode permitir que Taú sofra sua ausência. Somos um trio, sempre fomos, sempre nos apoiamos em tudo... e não é por essa falta que merece a morte.

— Eu mereço, sim! — ele afastou-a. — Na verdade... sequer entendo o porquê de Innamabel querer-me vivo. Eu vi, Dália, estava diante da morte, ela soava atraente aos meus olhos. Eu queria a morte para salvar a maldita feiticeira. Ela só precisava segurar a corda e abrir a janelas, e então eu estaria livre para rever Aristela e teria uma morte honrosa no lugar de uma vida vergonhosa. M-mas ela... ela preferiu condenar-me a mais tempo.

Dália sentou-se e cruzou as longas pernas brancas.

— Não culpe Innamabel por ter feito o que fez. Ela, ao contrário de você, ainda tem humanidade e o bom senso, e a vontade de agradecer, de pagar a você com a mesma moeda por ter lhe dado uma chance devem ter influenciado em sua escolha. Ela é a melhor entre todos nós. Preservou-se a ânsia e a agonia, não teve coragem de se entregar a sua sina porque é forte, nós vimos como ela agiu frente ao inquisidor Heinrich. Não deseja o mal, ela resiste a ele com muita força de vontade... quem dirá ter alguma má intenção quanto a você. Se ela fez o que disse; empurrou-o para o lado antes de atirar-se de uma janela para proteger uma feiticeira, certamente ela, assim como todos nós, ainda precisamos de você... ela precisa de você.

Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)Onde histórias criam vida. Descubra agora