[26] O CORAÇÃO DO DÊMONIO

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Innamabel recuperou a consciência na manhã seguinte. Quando a luz pálida brilhou sobre o seu rosto, estando ela em repouso numa pequena sala onde havia uma claraboia aberta e incontáveis livros, papiros e inscritos bem guardados em armários de madeira.

A mesa estava Theodor a escrever em um livro de capa dura, e quando ela resmungou, prontamente suspirou, pressionando o peito, tentando entender o que tinha acontecido naquele momento quando, ainda consciência, sentiu o principal órgão do seu corpo ser arrancado e seguro na mão de uma feiticeira como se fosse uma concha vermelha e gotejante.

— Bom dia, jovem Innamabel — disse o velho, cerrando a capa de seu livro e acariciando a capa com suavidade. — Teve um bom descanso?

A jovem agarrou a colcha que cobria o seu corpo magro e a cama macia que a muito não sentia.

— Estou viva?

— Essa é uma indagação incerta quanto a inexistência de respostas acerca de o que é estar vivo. Respirar é estar vivo, sorrir é estar vivo, chorar é estar vivo. E você chorou toda a madruga e começo da manhã.

— Ainda quero chorar — a menina jogou as lagrimas que surgiram para fora das vistas, se contendo. — Por tudo o que vi e ouvi, pelo... gosto amargo que está em minha boca. Deus, o que fiz?

— Segundo relatou Dália, estando ela ao seu lado desde que chegaram, havia um cenário de confronto onde o Grão-inquisidor jazia atemorizado no canto e um corpo que constatou Valentin, seria de Verena... além do seu coração — ele virou-se na direção dela. — Ele tinha o seu coração em mãos, minha jovem. Sua vida e sua morte em mãos.

Innamabel engoliu em seco, procurando palavras que pudessem expressar o que sentia naquele momento; um misto de agonia por saber o que tinha feito e algo revigorante, por lembrar-se quando enfiou suas prezas no pescoço da feiticeira.

— Tudo aconteceu muito rápido... foi como se... pela primeira vez, eu estivesse lá, mesmo que distante, mas consciente.

— Esse é o caminho rumo a ascensão e sua redenção, quando não mais fugir dos seus medos e encara-lo, pois verdade virá e você precisa decidir...

— Entre decidir pela salvação ou pela destruição do mundo o qual prezo — ela se lembrou as perfeitas palavras do velho. — Eu estou tentando, senhor. Juro que estou tentando ser mais forte, mas não entendo o porquê dessa criatura estar me dominando.

— Lembre-se, seu nome representa força de vontade.

Quando sentiu que o mundo parava de girar, ela se moveu e apoiou os pés pequenos no chão frio e afastou os cabelos emplastrados de sangue e suor da frente do rosto.

— Quer dizer que... eu preciso querer ser boa? Eu achei que...

— Você renasceu, Innamabel. É uma nova mulher, e todos os sentimentos que reservou em seu coração por tanto tempo se foram junto com a sua alma destroçada, dando espaço apenas para uma entidade sem vida, cujo o arbítrio o condenou ao fogo e a destruição e que é incapaz de entender quem foi a mulher Innamabel; senhora de família, musicista prendada e amante do sol.

— C-como o senhor...

Então, um duplo toque na porta a despertou quando alguém surgiu, trazendo um facho de luz da manhã consigo e um sorriso reluzente que prontamente a atingiu — mesmo que ela não pudesse retribuir naquele momento da mesma forma. Por isso, quando a companheira adentrou, ela sabia que precisava de um abraço reconfortante e se permitir sentir que enfim estava segura no único lugar onde poderia estar segura; junto aos seus iguais.

— Você está bem. Está bem e está viva, Inna... senti tanto medo.

— Deixá-las-eis a sós — o velho tocou o ombro de Dália, tendo uma respeitosa reverencia como resposta antes de sair.

Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)Onde histórias criam vida. Descubra agora