[18] A ANCIÃ E A LEOA

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O dia começara a ressurgir quando Innamabel recuperou a consciência, motivada por uma fraca luz que crescia através do horizonte, subindo lentamente através dos casarões até que fosse visível, assim como a face impassível de Valentin que, diante dela e da luz, parecia ter a pele quase branca e olhos claros como a agua.

Ele a encarou de cima em silêncio, tirou as mãos de seu ombro — o que havia feito-a despertar — e não a permitiu ficar próximo da fonte, tendo apenas recuado alguns passos.

Ela, com um gosto azedo entre os lábios e ele, trazendo a memória que poucos dias após o seu regresso, a mesma coisa havia acontecido; ele reencontrou tanto o soldado que o havia estacado no peito com uma lança quanto todo o pelotão dele, e os matou sem que sentisse quaisquer gota de remorso, medo ou aversão ao que encontrou logo que voltou a consciência e estava cercado de corpos desmembrados e sangue por todos os lados da forma que nunca tinha visto — mesmo tendo vasta experiência de guerra.

— O que houve? — quando virou-se na direção do sol, sentiu a queimação crescer sobre o rosto e virou-se.

— Você cedeu ao desejo — ele caminhou até o poço, encontrando lá embaixo um rapaz desacordado e imerso até metade do corpo em sangue, lixo e agua misturados. — Quem será esse rapaz?

Ela aproximou-se, pondo a mão à frente do rosto a medida em que o sol crescia, mas quando olhou para baixo, pouco expressou senão um suspiro ao levar a mão a boca, abismada.

— É Yoseph... meu marido.

Ele olhou para baixo e depois para ela, de forma impassível.

— Tenho que tirar ele daí.

— Não! — Valentin a segurou. — Temos que sair daqui, restam poucos minutos para o sol nascer.

— Desde quando você se importa comigo, Valentin? — ela deu três passos para trás, estando então a frente da luz do sol, com um gemido que ressequiu seu interior. — Breve não poderei conter o que sinto, o que desejo, o que fiz contra Yoseph mesmo sem verdadeira intenção. Se mal eu fiz... prefiro a morte do que prosseguir com essa agonia, essa incerteza.

Ele moveu-se pesadamente e tomou a luz que chegava a ela, tão imponente que precisou ficar sobre ela para que o olhasse debaixo, com os olhos em chamas, em agonia, talvez em remorso.

— Passei pela mesma provação que você e me rendi prontamente. Eu sou um soldado, um guerreiro, nascido para matar ou morrer por quem amo. E quando eu renasci, eu matei, mas não por quem amo... e sim por mim mesmo. Você é uma camponesa, mulher de família, nunca conheceu a guerra e nem nunca sentiu o sangue esquentar enquanto segurava uma espada e encarava o inimigo nos olhos, decidindo qual seria o seu próximo passo; se lutar e morrer, se correr e morrer. Sendo você pura de coração, o que acha que deveria fazer pelo bem de sua alma? De sua família?

— Que família! — vociferou antipática. — Meus pais são mortos, meu marido... está imerso em sangue e podridão graças a mim e o meu retorno. Minha irmã pouca questão fez e faz quanto nosso bem estar, vive viajando com sua matrona endinheirada e retorna vez em quando a essas terras — ela coçou os olhos úmidos com vontade de gritar, talvez rugir. — Além do mais, como você mesmo disse, somos diferentes. Você é um soldado, eu sou uma mulher. Não posso comparar-me a você de forma alguma. O que sinto é diferente e devastador que prefiro a morte.

Ele abriu seus braços e a capa que o recobria cobriram a luz que vinha pelas suas costas.

— Nós entramos naquela igreja em chamas e tiramos de lá a mulher que estava próxima ao inferno e que dele regressou. Eu quis a sua morte, Gertruida quis a sua vida porque acredita que não haja pecado em você, nem culpa, nem macula. Acreditamos na sua vida e na sua inocência, e você deveria fazer o mesmo pelo pacto que firmou ao aceitar seguir com o nosso convento. Você viverá e honrará a sua segunda vinda.

Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)Onde histórias criam vida. Descubra agora