• quarenta e dois •

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CAPÍTULO QUARENTA E DOIS
walking with demons

Naquele momento Morgana nem sequer sabia mais quem era, seu sobrenome já não lhe pertencia mais e aquele lugar ao lado de Charlie no altar não deveria ser seu. Na verdade, nem sabia mais se seu nome era aquele, será que seus pais verdadeiros a chamavam de outra forma? Será que eles a amavam de verdade e lutaram até o final para que ela não fosse levada por aqueles estranhos que a roubaram? Morgana sempre fora uma incógnita, mas agora ultrapassava os limites.

Ali, ainda trancada em seu quarto enquanto lhe arrumavam o cabelo em um penteado alto, muito parecido com os da moda trouxa e lhe vestiam em uma peça branca e cheia de detalhes, que mais parecia apenas um peso em seus ombros, ela não se reconheceu. O espelho agora refletia uma mulher, uma mulher que ela nunca fora e agora era obrigada a ser, alguém que usava um vestido de noiva que valia muitos galeões e que usaria um anel de compromisso para o resto da vida. Ou pior ainda, usaria um anel de compromisso invisível que resistiria até a morte.

Sua mãe avisou algumas horas antes que Morgana e Charlie fariam um Voto Perpétuo, porque ambos foram petulantes e desobedientes. Aquele dia foi o primeiro em que a garota o ouviu chorar, enquanto segurava a maçaneta da porta e lhe pedia desculpas, porque agora entendia que deveriam ter fugido antes, que nem mesmo os princípios de seus pais e seguir a tradição lhe faria feliz. Mas agora que tudo havia acabado, nada mais adiantaria, seriam infelizes para sempre porque não foram corajosos o suficiente para fugir.

E em tudo que fazia, todo espelho que olhava, cada canto do quarto escuro que observava, Morgana via o rosto de James, com uma cara sorridente e os cabelos bagunçados. Podia ver ele sempre sendo galanteador e a chamando pelo nome, como se aquele fosse um direito só dele e funcionasse apenas quando era pronunciado por ele. Mas ela nunca mais ouviria aquela voz que poderia não ser a mais perfeita do mundo, mas nem mil violinos soariam de forma mais bonita e era ainda mais incrível de se ouvir quando ele a chamava.

Mal conseguia respirar com aquele vestido a apertando por inteiro, menos ainda quando a culpa da morte de James lhe consumia por dentro. Não conseguia acreditar que nunca mais o veria, que nunca mais passaria as mãos geladas por seus cabelos castanhos e jamais olharia em seus olhos cor de avelã, imaginando perder-se neles por mais um minuto sequer antes de ter que se esconder do resto do mundo. Aquelas era coisas que Morgana nunca mais faria e sua total melancolia a lembrava disso.

Olhou no relógio que pendia sob a parede e notou que já passava das seis horas da tarde, logo estaria caminhando até Charlie, vestido com um terno preto e igualmente nervoso, enquanto carregava em seu corpo um vestido o qual ela nunca escolheria usar e ia de encontro à uma vida que não deveria ser sua. Em poucas horas ela seria oficialmente uma Monarch, uma mulher casada, talvez teria que pensar em filhos, algumas crianças magnificamemte lindas e com belos cabelos loiros parecidos com os dos pais. Só que as coisas não seriam tão simples assim, talvez eles teriam de obrigar suas crianças à se tornarem seus iguais e Morgana sofreu, sofreu por filhos que ainda nem existiam.

Mais uma vez olhou para o relógio, que parecia ter parado, mas logo sua atenção voltou para a porta, onde ela pode ouvir duas batidas suaves, proporcionadas por mãos magras com dedos finos. Não era Charlie, muito menos James. Quando Morgana se aproximou da porta, ouviu um suspiro profundo, como se alguém estivesse se preparando para dar uma notícia ruim. O que mais poderia ser ruim?

— Alô, Morgana. — ele disse. — Preciso falar com você.

— Pai! — ela quase berrou. — Por Merlin... eu descobri tudo.

— Eu sei, tudo bem? — Adrien falou, desapontado. — Mas precisava falar com você antes do casamento. Eu sinto muito, mais do que você deve imaginar. Fazem quinze anos que eu me culpo todos os dias por ter deixado Seline me manipular. Você não merecia isso, era apenas uma criança. Eu sei que nunca fomos próximos, mas eu vi você crescer, ouvi você dizer suas primeiras palavras, chorei de orgulho quando descobri que havia entrado na Sonserina e eu nunca deixei de ver você como a garotinha que me pedia para ler histórias sobre coelhos e todos gargalhantes.

Morgana riu, lembrando de quando ainda era criança e acreditava que aquilo tudo era de verdade.

— Eu sinto tanto orgulho de você, sinto orgulho de sua irmã que agora vai ter um filho. — ele sorriu. — O qual ela vai criar muito melhor do que nós a criamos. Então, Morgana, minha filha, a qual nem mereço chamar assim, me deixe pedir desculpas e implorar que caminhe até aquele altar ao meu lado, aceite os votos do matrimônio e me deixe ajudar você. Não porque eu preciso de perdão, mas porque você precisa de mim como nunca antes.

E então a porta se destrancou e Morgana pôde sentir em suas veias a magia irradiar de volta para seu corpo, assim como a coragem. Olhou profundamente nos olhos azuis do pai, os quais ela deveria ter reparado antes que eram tão diferentes dos seus e aceitou seu destino. Segurou fortemente no braço do pai, enquanto caminhavam por aqueles corredores frios e escuros da mansão, corredores sem vida e sem qualquer tipo de afeto, que tão claramente refletiam a atmosfera sombria a qual estavam todos os Bouveair, os Monarch, os Black, os Malfoy e os Lestrange destinados. Famílias destinadas à escuridão e às trevas. Quando pararam finalmente em frente às grandes portas de madeira escura que guardavam um salão e um altar, Morgana sentiu algo se mover na barra de seu vestido, algo que a surpreendeu de tantas formas que imediatamente olhou em direção ao pai e lhe quis fazer muitas perguntas. Uma varinha.

Todos se levantaram ao notar a noiva que caminhava como uma tartaruga até o altar, enquanto era acompanhada do pai e transmitia infelicidade. Ela notou que Charlie também estava nervoso, disposto sobre o altar com uma pose a qual Morgana jamais o vira, efeitos de alguma conversa com os pais, provavelmente. Morgana soltou o braço do pai quando parou em frente ao noivo que mal a olhava e tudo se fez silencioso, todos os convidados e até mesmo os pássaros de fora pareceram parar de cantar, aquele era o silêncio do fim, não da morte, mas da não-vida.

Enquanto um bruxo estava falando palavras desconexas sobre o amor e sobre a tradição, Morgana não deixou de reparar nos convidados, poucas pessoas, que agiam com desgosto para a cena e nem sequer pareciam querer estar ali, ela os entendeu. E quando falaram que o Voto seria feito, todas as veias de Morgana saltaram, seu corpo formigou e ela sabia que estava prestes à desmaiar ali mesmo, logo caindo em cima dos panos brancos de seu vestido horrorososamente exagerado. Um Voto Perpétuo não era nada simples, já em sua época era uma magia proibida e extremamente sombria, ela lembrou que coisas horríveis aconteceram com aqueles que o descumpriram e soube que aquela era uma maneira cruel de sua mãe de avisá-la que Morgana pertenceria a ela para sempre. Até mesmo um pacto de sangue poderia ser quebrado, após muito esforço, é claro, mas não lhe custaria a vida.

"— Mas uma promessa sem feitiços já não é o suficiente? — perguntou ela. — Se você ama e confia em alguém você não precisará de um feitiço que comprove isso. E se as duas pessoas não se amarem de verdade?

— O amor pode vir depois, Morgana. — o garoto respondeu.

— Então, hipoteticamente, case-se comigo, Potter. — falou ela. — Façamos então o Voto e sejamos obrigados a viver até os últimos anos da velhice como um casal. E se o amor não vier? Você suportaria viver ao meu lado sabendo que nunca irá me amar?"

Morgana suportaria viver ao lado de Charlie, até que as lembranças lhe faltassem e os netos chegassem? Ela o amaria como amou James? Não, nunca, jamais amaria alguém na mesma intensidade, só se ama assim uma vez na vida e a oportunidade foi tirada dela. Respirou fundo quando alguns fiapos quase transparentes de magia enroscaram-se no seu braço e o da Charlie, enquanto ambos tremiam de ansiedade e esperavam a promessa ser feita. Primeiro foi Charlie, que concordou com tudo e a encarou profundamente, como se buscasse por ajuda. E então, chegou a vez dela.

— Você, amará este homem até os últimos dias de sua vida? — ele perguntou.

— Amarei.

Amarei James.

— Viverá ao seu lado até os últimos dias de sua vida?

— Viverei.

Viverei por James.

— E quando ele morrer, ainda irá amá-lo e pertencer a ele até que o encontre?

— Irei.

Irei, James, um dia irei encontrá-lo.

E o feitiço cessou, mostrando que havia acabado, a cerimônia havia acabado. Morgana agora era uma Monarch, era uma esposa e tinha Charlie, que pertencia à ela tanto quando ela pertencia à ele. Quando chegou mais perto dele, para dá-lo um abraço confortante, ela sentiu. Sentiu uma coisa estranha, uma sensação esquisita enquanto encarava-o.

Morgana sentiu... sentiu aquele cheiro.

INSOLENCE • james potterWhere stories live. Discover now