Rafaella
A ilusão da saída era tremenda. Mas também o medo de que tudo o que juramos dentro dessas quatro paredes fosse esquecido.
Bianca me passou uma verdade absurda e eu tinha em mim a certeza de que acreditou em cada palavra que disse no segundo em que disse.
Mas seria o mundo tão compreensivo ao ponto de que pudesse manter aquilo real?
O calmo girar daquela maçaneta foi como sair do armário outra vez. Havia o mesmo medo da aceitação, havia a curiosidade pelas reações... Mas a diferença era que agora eu não estava sozinha como da primeira vez. Havia alguém mão com mão para enfrentar tudo comigo.
Por sua mão segura eu coloquei a minha, encarando como em seus olhos apreciava a minha ação ao auxiliar na sua.
O mundo parou por um segundo na união dos nossos dedos. Trocamos sorrisos e tudo pareceu leve pelo momento que demorou para que aquela porta se abrisse.
Não que tivesse havido barulho. A verdade era que teria sido menos estranho se houvesse. Esperávamos burburinhos, fofocas incessantes e tão incontroláveis que não se disfarçaria nem com nossa presença, mas houve silêncio.
Um sepulcral silêncio que se estendeu pela cozinha inteira e apenas se rompeu quando passos deslizaram na cerâmica.
Todos estavam reunidos em um só lugar e deram passagem. Das portas de alumínio via-se cinco homens com a mesma face irônica e o mesmo mal odor de queijo velho.
Minha memória olfativa foi acionada nesse momento e sou transpordada para o momento da minha entrevista, com os mesmos dedos trêmulos e a falta de voz quando a constatação recai sobre mim pouco depois de Bianca.
Olhei de relance seu rosto assim que seus dedos deixaram os meus completamente vazios e percebi o horror da confirmação: Tratavam-se dos seus tios.
Bianca se recompõe inteira num só segundo e se encaminha até eles passando os dedos pelo vestido amassado com passos muito bem avaliados e os cumprimenta naquele francês perfeito que tinha.
Daí em diante entendo poucas coisas. Mas não há o que dizer, certas manifestações da linguagem são universais. Os cinco homens pareciam prestes a enguli-la com seus olhares divididos entre penoso, irônico e recriminatório ainda que mal tivessem trocado três palavras.
Fiz menção de ir até eles, entretanto, a mão de Manu me interrompe a meio caminho, me segurando no lugar, me alertando sutilmente de como funcionava a dinâmica entre Bianca e seus tios que eu pouco conhecia.
E não tive muito mais tempo de perceber como ocorria, pois rapidamente Bianca procura conduzi-los a sua sala depois de um:
- Nous parlerons mieux dans mon bureau.
E tudo o que alcancei entender de sua rápida conversação e que, ironicamente, não me dava nenhuma idéia de se escutaram ou não algo.
Aliás, sobre como as pessoas voltaram normalmente aos seus postos entendi que seria essa a maneira como encarariamos o ocorrido: Sem conversas de canto ou olhares carregados de julgamento, ao menos em minha frente o que, sinceramente, me bastava.
Não estaria de humor para piadinhas agora ainda mais saindo por um minuto para uma rápida recomposição antes de retornar ao trabalho.
Retirar de mim o cheiro de sexo foi um pouco custoso e recordei mentalmente de que não voltariamos a fazê-lo nem aqui e nem em horário de trabalho.
A sensação era incrível, mas para ser não precisava ser nesse lugar e sim com essa pessoa. E eu a tinha, depois de hoje eu não imaginava outra situação que poderia evidenciar mais isso. E, não sei tolamente ou não, confiava de que se seus tios ouviram o mesmo que toda a cozinha Bianca saberia como tratar aquela situação sem prejudicar nossa relação pessoal e laboral, porque eu estaria com ela, e não porque tinha qualquer escolha.
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Deliciosamente proibido - Versão Rabia
ספרות חובביםQuando Rafa Kalimann foi contratada para trabalhar no mais famoso bistrô de São Paulo, o Paris 6, imaginou que suas funções se limitariam somente a confeitaria. No entanto, com as constantes hostilidades de sua chefe, Bianca Andrade, começou a perce...