Capítulo Dezesseis

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RAFAEL MONTEIRO. 

Certas decisões parecem ser as melhores no momento de empolgação e desejo de agradar os outros. Porém, quando a euforia passa e você percebe que está sentado ao lado da sua professora particular com os pais dela e o irmão num jantar que lembra muito a apresentação de um namorado a família, a decisão não é lá tão boa assim.

Sentia na pele os sentimentos de Elena no dia do jantar em minha casa. Mesmo sua família sendo bem divertida, é inevitável não sentir uma pressão.

— E você, Rafael, quais são seus gostos? — questiona Lucas, pai de Elena e Heitor, ele sorri leve, pronunciando o nervo morto da boca. Ele tinha comentado mais cedo sobre ele. Segundo Mariana, o seu sorriso torto é seu charme. 

— Eu gosto de séries policiais e investigativas, e desenho de vez em quando. 

— Desenha? — confirmo. — Animais, pessoas? 

— Um pouco de tudo, normalmente paisagens e pessoas, agora estou arriscando nos animais, mas não estão bons. 

— É prática. Finalmente tenho alguém que gosta de desenhar, porque esses dois — faz um gesto indicando Heitor e Elena — não desenham nada. Nem parece que são meus filhos. Não puxaram nada meu. 

— Não é assim também, Lucas. Eles puxaram você sim. 

— Onde? Só por serem bons em exatas já é um contraponto na sua fala. 

— Eles puxaram seu gosto por mitologia. 

Como se para confirmar a fala da mãe, Heitor e Elena mostram as tatuagens do antebraço. Um guerreiro espartano e a Medusa. 

— Pelo menos isso. Sabe, Rafael, ter três pessoas que são de exatas em casa não é fácil. Elena com 9 anos vinha falar de teoria do big bang e buracos negros por causa de documentários, Heitor vinha falar sobre as pirâmides do Egito, torre de babel. E eu entendo disso? Não.

Estamos todos rindo da forma que Lucas expõe seu ponto de vista. 

— Eles ligavam nos documentários e eu voltava à época da escola. O professor de física ou de matemática entrava na sala para dar aula, a minha cabeça viajava automaticamente. Era instantâneo, começava a aula, a minha cabeça ia longe pensando em música ou cores. 

— Eu sei como é. Luis fala: A aula de hoje será sobre… Eu já estou pensando no próximo desenho. 

A tensão que estava sentindo foi embora, agora me sentia confortável entre eles. Lucas tinha um magnetismo natural, chamava todos para a sua bolha alegre e extrovertida. Elena também tem o magnetismo do pai, apesar de passar a mensagem passiva-agressiva, é difícil não notar quando chega. Ela atrai a todos com seu charme rude. 

— Rafael por causa do arcanjo Rafael? — pergunta Mariana. Não entendo muito bem o porquê da pergunta. Entretanto, respondo da mesma forma. 

— Não sei, acho que meus pais só acharam bonito mesmo.

— Você sabia que os nomes deles são inspirados em Tróia? 

— Ela vai contar a história de novo. — Elena fala para Heitor, fingindo que ninguém está ouvindo. 

— Vai, dessa vez é por sua causa. — A resposta de Heitor faz Elena revirar os olhos. 

— Você conhece a história de Tróia? — concordo com a cabeça. 

— Eu e Lucas estávamos na Grécia, fazendo um mochilão, a gente ainda não se conhecia nessa época. Éramos dois jovens pelo mundo. Nos esbarramos no Parthenon e logo rolou uma identificação, ficamos conversando enquanto exploramos as ruínas do templo. Durante o passeio conhecemos um senhor, grego, setenta e poucos anos, ele contava as histórias de Homero.

"Chegamos bem na hora que ele inicia a narrativa de Tróia, então, eu e Lucas cansados de olhar as ruínas paramos para ouvir o senhor. Seu inglês era carregado e às vezes não entendíamos muito bem. Ele contou as duas versões, a primeira: Helena era sequestrada por Paris e levada à força para Tróia e a Grécia inteira se unia para salvar a rainha de Esparta.  E a segunda: Helena fugia de Menelau para Tróia com o príncipe Paris. E depois vem toda a guerra."

Todos nós ouvíamos com atenção. Elena e Heitor mesmo tendo provocado a mãe antes dela começar a história, observavam Mariana com carinho. Sabem aquela história de cor, mas ouviam como se fosse a primeira vez. E Lucas… Lucas tinha os olhos brilhando e um sorriso leve no rosto enquanto ouvia sua mulher contar.

"O ponto é. Eu e Lucas ficamos horas e horas debatendo as versões. Eu prefiro a segunda. Helena era uma mulher e rainha num tempo difícil, direito de escolhas nulas. Sua beleza era o principal e por isso não viram o que demais ela tinha. Então, ela escolheu por si e teve que lidar com as consequências. O foco aqui não é a guerra em si. Não vou falar sobre Paris porque ele não merece. Ai vem Heitor e Aquiles dois heróis com propósitos diferentes. Se de um lado temos o Príncipe Heitor, do outro temos Aquiles, o grande semideus banhado no rio Estige. Imbatível, imortal a não ser um ponto vulnerável, o calcanhar."

Mariana pausa e toma um gole de vinho. 

"Eu prefiro Heitor, ele tinha um filho e uma esposa e mesmo assim foi para o campo de batalha. Lutou contra Aquiles, morreu pela espada do semideus. Pode-se pensar que ele não foi herói. Heitor lutou contra quem sabia que não tinha chances. Lutou pelo seu filho, esposa, irmão e povo. Já Aquiles lutava por fama e honra, ele é um guerreiro e morreu por uma flechada como soldados morrem. Depois de horas de discussão foi nessa análise que chegamos. Lucas e eu começamos a namorar três dias depois de nos esbarramos no Parthenon. Heitor é em homenagem ao príncipe da Ilíada de Homero. E Elena é Elena porque tem a beleza da de Tróia e capacidade de decidir o próprio destino igual aquela que inspirou seu nome." 

*

Depois da finalização da história, comemos a sobremesa e eu me preparei para ir embora. Elena iria me levar para casa, sem Heitor dessa vez. 

O trajeto foi feito num silêncio confortável. As palavras de Mariana continuavam rondando por meus pensamentos. Nunca tinha pensado pelo o ponto de vista que apresentou. Tróia para mim, é luta e conquista, mas, depois de escutar sobre o símbolo de herói que Heitor representa, entendo a razão de dar a seu filho esse nome. 

E Elena, linda como a Tróia e decidida igual aquela que também é a razão de seu nome. 

Parados na frente da minha casa espero a vontade de sair vir, contudo, ela não vem. Quero continuar sentado no banco do carro. 

— Elena de Tróia? — chamo-a. 

— Você não começa. 

Virados um para o outro com a cabeça apoiada no encosto do banco. 

— Sua mãe está certa, você é como ela. 

Forte, decidida e linda.

Suas bochechas coram. Deve ser a primeira vez que vejo suas bochechas adquirirem o tom avermelhado. A luz amarelada do poste ilumina seu rosto. Ela me lembra uma ninfa. Bonita e sedutora. 

Nos aproximamos de forma inconsciente. Sua respiração faz cócegas no meu rosto. Sem aguentar nem mais um minuto, a puxo para um beijo. 

Suas mãos se embrenham no meu cabelo, e as minhas mãos buscam seus fios, também. 

Sua língua e a minha conectam-se. Seus dentes mordem e puxam meus lábios. Desço a mão pelo seu corpo, apertando e segurando. Nosso beijo é quente e íntimo, dançamos uma coreografia conhecida. 

Estou perdendo a cabeça. 

Cada movimento da sua língua gera um arrepio. Mordo seu lábio inferior. Aperto sua bunda. 

Elena me enlouquece. Me tira do eixo.

Nos afastamos para respirar. 

Ela passa a unha pela armação do óculos, contorna meu maxilar e passa o dedo indicador pela minha boca. 

— Usa óculos mais vezes. 

Com um último selinho, ela se afasta. Entendendo a deixa, saio do carro. E da porta de casa, vejo a rainha dominar um pouco mais do território do meu coração.

A física entre nós [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now