Capítulo Trinta e Dois

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ELENA ANDRADE

Meu pai tem o cenho franzido para o reprise de Largados e Pelados, a expressão franzida passa para uma de nojo quando os dois participantes comem larvas, a única fonte de caloria que encontraram.

Fazia algumas horas que estava em casa, mesmo não querendo deixar Rafael, preferi não dormir na sua casa. A sua relação com os pais está bem estremecida e também me sinto um pouco mal por ter me dado bem com seu pai. A tensão entre pai e filho é uma grande nuvem de fumaça, escura e densa e quando estive pela primeira vez com os dois em sua casa fui capaz de sentir o cheiro rançoso.

Só que eu não imaginava a dimensão da fogueira entre eles. Naquela noite, a semanas atrás, ela era uma chama média e contida, a fumaça não ocupava todos os espaços, ainda era possível ver com a presença dela. Entretanto, na noite que ele apareceu na minha casa com os olhos vermelhos, tinham ateado madeira seca no fogo. E como nos programas de sobrevivência, o fogo inflamou rapidamente, cresceu e assustou. E queimou.

Queimou Rafael.

Queimou a relação deles.

A queimadura simples, passou para uma de terceiro grau. Que demoraria muito tempo para sarar completamente e, apesar de cicatrizar, continuaria marcada na pele, um lembrete da história deles.

— Eu não sei porquê você e sua mãe gostam desse programa, é horrível. — Meu pai reclama, com a expressão de nojo ainda presente.

Observo a tela, os dois participantes tentam se aquecer da chuva, a umidade diminui o fogo, o tornando uma pequena chama, sem capacidade de aquecer ou queimar.

— É educativo. — Minha mãe rebate.

— Assistir pessoas sendo levadas a inanição e hipotermia é educativo?

Quieta, espero o argumento de Mariana.

— Sim! É importante observar como eles fazem para sobreviver, caso, um dia, passemos pela mesma situação.

— Amor, não vamos passar por isso.

— Não temos como saber, na nossa próxima viagem o avião pode cair ou o navio naufragar.

Após a fala de dona Mariana, meu pai estica o braço, batendo três vezes na madeira da mesa de centro.

— O avião não vai cair nem o navio naufragar, pelo amor de Deus, Mariana! Não estamos em Lost ou Titanic.

Ao ouvir sobre Titanic, um sorriso insinua-se nos meus lábios. Enquanto Rafael ia ao banheiro lavar a mão, peguei o desenho da cobra e guardei em minha bolsa. Agora, o papel está pregado na parede do meu quarto.

— Não temos como saber, Lucas. Precisamos pensar em todas as possibilidades.

A minha mãe, assim como eu, é boa com números. E um dos ramos da sua empresa é calcular riscos, prever cenários, fornecer estratégias de crescimento e passar por crises com impactos mínimos. Por isso, ela gosta tanto de assistir programas de sobrevivência, desastres aéreos, desastres náuticos, qualquer tipo de programa que abra brecha para inúmeros cenários diferentes.

Agora, ela analisa os dois participantes, a mulher apesar de menor e mais magra está sendo mais resistente às mudanças de temperatura que o homem, entretanto, o homem consegue andar por mais tempo. Estão, de certa forma, equilibrados.

É nesse momento que dona Mariana entra, analisando o comportamento, a resistência física e mental. Ela tem um jogo consigo mesma. Se acertar quem sair ou tiver a maior ASP, ela se presenteia. Se perder, abre mão de algo que gosta por uma semana.

A física entre nós [CONCLUÍDO]Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz