Capítulo Vinte e Sete

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RAFAEL MONTEIRO

O sentimento de posse é controverso.

Ao mesmo tempo que me sinto muito empolgado por entrar de mãos dadas com Elena no Álvares de Azevedo, também me sinto como se estivesse marcando território. É bom ver a cara de tristeza de alguns alunos, uma satisfação que não deveria existir me preenche. 

Ignoro a vozinha da minha consciência, ela soa muito como Lúcia, dizendo o quanto é ridículo sair por aí exibindo a namorada como um troféu.

Mas, foda-se. Estou feliz pra caralho, mesmo com toda a merda que aconteceu na minha casa. 

Elena passa pela catraca primeiro e eu vou logo atrás. Nossas mãos não se voltam nem por um momento. 

Desde o jantar de ontem quando a sua mãe cuidou dos machucados, seu pai e eu trocamos técnicas de desenho, o sexo durante a noite e parte da manhã, o momento, extremamente, constrangedor durante o café da manhã. Tudo parece um sonho bom demais para acordar e eu só quero aproveitar um pouco mais antes de lidar com a realidade. 

As palavras de Daniel me machucaram, me cortaram por dentro. Ouvir que realizou o desejo de Joana e o resultado foi eu, doeu. Doeu porque as palavras não tinham orgulho ou carinho. Nunca entendi a dificuldade de Daniel em estabelecer um vínculo de pai e filho. Se ele quer ser indiferente em relação a mim, eu entendo, porém não vou entender ou aceitar os gritos e humilhações. 

Não vou mais buscar agradar alguém que não deseja ser um ser humano educado.

Foda-se ele. 

Vou tomar decisões por mim, porque elas me fazem bem. A procura por aprovação paterna acabou ontem. 

Andando do lado de Elena, olho para sua estatura mais baixa que a minha, analiso o cenho franzido, avaliando alguma situação na sua cabeça. 

Eu a invejo. 

E não apenas o seu cérebro. Eu invejo a sua vida familiar.

Ela e o irmão são próximos. Seus pais escolheram seu nome pensando numa personagem da mitologia grega, que muitas vezes é vista apenas como a mulher bonita que fugiu com outro cara e abandonou o marido e que na verdade foi muito mais que um mero rosto bonito. Seus pais a escutam e a apoiam.

A conversa do café foi constrangedora, contudo eu vi o companheirismo que há entre eles.

Talvez eu nunca diga a ela, mas ontem quando Mariana voltou à mesa com o álcool, a gaze e a pomada, eu quis chorar. 

Quis chorar porque aquela mulher só tinha me visto uma vez e teve um gesto extremamente maternal com um menino desconhecido que apareceu na sua casa de noite e sem avisar.

Mariana só me encarou com seus olhos castanhos tão familiares, tão parecidos com o de uma certa menina que ocupava minha mente e coração há um tempo. Diante de seu olhar, me senti uma criança quando cai e se machuca e vai correndo para o colo da mãe.

Eu queria colo, eu queria chorar a dor de um ralado antigo, eu queria chorar a dor das palavras afiadas de Daniel. E Mariana entendeu, ela compreendeu as palavras não ditas.

Então, ela me acalentou como uma mãe faz. Limpou as feridas e por poucos segundos guardou minhas mãos entre as dela. Como quem diz: Viu, foi só um arranhão, pode voltar a brincar. 

E eu voltei. Sentei na mesa com eles e me diverti. Soltei uma risada aqui e ali. Ouvindo sobre cores e formas, algumas histórias sobre os irmãos Andrade e sobre o casal Andrade também. 

A física entre nós [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now