Capítulo 38

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Parada sob a sombra de dois pinheiros, estava sentada à beira de um pequeno riacho que corria no meio da floresta, observando Nuralle lavando as roupas na agua corrente, olhei para as arvores dormentes e me perguntei se os animais tinham ficado quietos por causa da nossa presença ou pela diminuição considerável por causa das caçadas constantes.

Nurella, a fêmea que havia conhecido no acampamento dias atrás, tinha se tornado mais gentil –se é que posso dizer dessa maneira – comigo. Depois de me ensinar a estripar, dilacerar e cozinhar um animal, a sua presença havia ficado mais constante nos meus dias. Ela possuía uma pele marrom, um pouco mais clara que a de Kol, mas me perguntava se isso não era pelo fato de quase nunca sair da cabana onde mora. Ela me contou que tanto seu irmão como seu pai tinham morrido na guerra contra Hybern, e que só tinha sobrado sua irmã, mas, que o marido da mesma, mal deixava elas terem contato. Nurella só conseguia ver a irmã e os sobrinhos quando fazia refeições e oferecia para eles. Sempre ela, nunca o oposto.

Me perguntei quantas femeas naquele acampamento viviam em situações semelhantes à minha. Não trancadas em uma prisão em Hybern, mas trancadas em seu próprio meio, com medo e reclusas a aquilo que era imposto para elas. Os illyrianos eram uma raça brutal e tradicional. Machos desde pequenos eram ensinados a lutar e estarem prontos para a batalha. Enquanto as fêmeas tinham que ficar cuidando da casa e esperando ordem dos maridos.

Um vento suave carregou o perfume dos pinheiros e sacudiu levemente os longos cabelos de Nuralle.

— Você nunca quis mais? — perguntei baixo enquanto cutucava a terra fria com as pontas dos dedos.

Nuralle levantou a cabeça e fixou os grandes olhos negros em mim erguendo uma sobrancelha o que você quer dizer ela parecia dizer.

— Mais do que isso. Mais do que esse acampamento. Mais do que seguir ordens de machos que acham que sabe o que devemos fazer.

Ela sacudiu a cabeça e deu uma risada nasalar. Seu olhar seguiu o curso da nascente que formava o córrego. Os raios do sol batiam no fundo da água e faziam as pedras brancas brilharem.

— Quando você conhece outra realidade — ela começou sem me encarar — é fácil você querer mais, almejar mais. Mas quando a morte e violência é tudo que voce conhece — seu olhar caiu sobre mim — a única coisa que queremos é sobreviver.

Meu estômago embrulhou. Eu conhecia os dois lados da moeda. Quando era jovem e ingênua eu sempre quis mais. Mais música, mais baile, mais viagens. Todas as cortes que conheci não eram suficientes para suprir a curiosidade de ver o mundo que eu tinha. Às vezes me pegava pensando em como deveria ser do outro lado da muralha. Como os humanos viviam, como eram seus costumes e culturas. Então tudo isso morreu, e por duzentos anos tudo que eu podia pensar, dia após dia, era se conseguiria sobreviver para ver o raiar do sol novamente.

— Uma vez nos permitimos sair da realidade imposta a séculos para nós — sua voz me tirou dos desvaneios, ela havia voltado sua atenção para sua atividade — quando o Grão Senhor disse que fêmeas deveriam treinar e serem guerreiras eu e um pequeno grupo ousamos tentar. — a sua voz tinha ficado rouca repentinamente.

— O que aconteceu? — Quis saber.

Lentamente ela deixou de torcer as roupas e colocou de lado.

— Quando nos apresentamos dizendo que queríamos treinar, primeiro eles riram até ficarem roucos. Depois falaram que se queríamos treinar deveríamos mostrar o que sabíamos.

— Eles lutaram com vocês...

— Eles nos espancaram. — Os olhos negro ficaram ainda mais densos — E enquanto chutavam e nos socavam diziam que isso era para aprender o nosso lugar.

Corte de sombras e esperançaWhere stories live. Discover now