Capítulo 1

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Alarmes. Cada maldito alarme daquele palácio parecia ter sido ativado. Fora preciso tudo, tudo, do que me restara de poder para que conseguisse escapar daqueles malditos encantamentos do palácio e mesmo assim não fora suficiente para encobertar minha fuga por mais do que míseros segundos.

O alvorecer começara a aparecer no horizonte e mesmo se passando, céus quanto tempo faria? Décadas? Séculos? Que não via a luz do sol, não me encontrava em um momento oportuno para desfrutar do seu nascimento naquela manhã.

Mesmo com machucados por todo o corpo, um corte especial na coxa direita, cortesia do último guarda que tentou me interceptar na saída dos muros do palácio, e com as asas dilaceradas, não ousei parar ou diminuir a velocidade na qual corria para longe daqueles portões. Já estava a alguns quilômetros de distância e ainda ouvia nitidamente o som dos alarmes ressoando para avisar todos da minha fuga. Ao inferno todos eles. Não voltaria para aquele lugar, pelo menos não viva. A medida que esse pensamento tomava conta da minha mente apertava com mais afinco a espada em minha mão, a única arma que possuía do último soltado que deixei caído em meu trajeto. Tudo, eles haviam tomado tudo de mim. Minha família, meus amigos, meu poder, minha vida! Não permitiria que tirassem mais nada. E só esse pensamento conseguia me manter ainda em movimento, tentando me afastar o mais rápido possível daquele lugar pois sabia que não poderia aguentar muito tempo nesse ritmo. Mesmo com a maior velocidade que meu corpo permitia atingir no momento, conseguia ouvir os passos dos soldados se aproximando. Pelo barulho, eram muitos. Talvez em meus melhores dias teria uma chance derrota-los em um combate corpo a corpo, mas definitivamente, esse dia não era um dos melhores.

Corri até ar faltar em meus pulmões, corri porque minha vida dependia disso, corri até que...

— Maldição! — Um lago, um maldito lago separando a floresta.

Estava encurralada, mal conseguia fugir correndo, quanto mais tentando atravessar um lago no qual a outra margem não passava de uma linha no horizonte.

— Renda-se. — Ouvi um dos soldados gritando.

Perto, eles estavam perto demais.

— Elas não lhe castigarão por causa da fuga. As rainhas só a querem de volta ao lugar onde estava.

Então eles surgiram, consegui contabilizar pelo menos uma dúzia de soldados, todos armados, emergindo pelas árvores.

— Sinto muito em desaponta-las, porém terei que recusar a oferta de suas majestades.

Eu estava cercada. Sabia qual eram minhas chances em um combate corpo a corpo, mas já havia tomado minha decisão, de modo algum retornaria para aquele inferno. Só sobrara uma alternativa, e então, pela Mãe, ataquei.


Estaria mentindo se afirmasse que fora fácil derrubar os dois primeiros soldados. Até aquele pequeno combate exigiu cada pingo de força que ainda possuía. Meus músculos queimavam de dor por conta de cada movimento que tinha feito nos últimos instantes. A falta de pratica e os anos sem treinamento voltaram como um flash e se jogaram contra mim, mostrando o quanto estava sem preparo para qualquer batalha que fosse.

Por milímetros consegui desviar do golpe do terceiro soldado, nossas espadas se chocaram ressoando o som do metal. Separaram e se chocaram de novo. Me agachei cortando a perna direita de meu oponente como se fosse a coisa mais macia que minha lamina já tivesse encontrado. Levantando num salto a ponto de interceptar o próximo ataque. O homem que atacara era bem uns 20 cm mais alto que eu, e muitos músculos mais forte. Forçando sua espada contra a minha, me fizera ceder e cair de joelhos.

­ — Porque resistir princesa? Sabe que não vencerá esse conflito. — Disse, me fazendo encarar os olhos negros acima de mim.

O ódio que inflou no meu peito foi o suficiente para me dá a coragem de segurar a parte mais próxima da ponta da sua espada com a mão livre, abrindo dois cortes profundos em minha palma, porem me dando superfície suficiente para conseguir empurra-lo possibilitando que conseguisse levantar e deferisse um golpe em suas costelas direitas. Antes que conseguisse finalizar o desgraçado, dois outros soldados me interceptaram. Virando de lado, consegui parar o ataque do segundo que tentara atacar. Chutei o que vinha pela esquerda com toda força que tinha, fazendo que esse voasse e se chocasse contra o que vinha logo atrás. Mas esse ato fez com que perdesse o equilíbrio por uns instantes, permitindo que o desconhecido que estava no chão se levantasse e me puxasse pelo braço, me obrigando a virar só a tempo de sentir o sangue escorrendo pelo nariz após que o mesmo fora atingindo por um soco certeiro, o qual me fez cambalear e soltasse a espada em minha mão direita. Tentei chuta-lo, mas ele se moveu mais rápido e deferiu um soco na boca do estomago, fazendo com todo o ar que ainda existia se esvaísse.

Já estava enxergando pontos negros quando o saltado segurou meus cabelos para segurar minha cabeça enquanto seu joelho se encontrava com meu rosto, e me jogava na lama. O cheiro de sangue invadiu minhas narinas. O meu sangue. Todo meu corpo doía, cada pedaço de carne estava queimando, mas mesmo assim me forcei a me arrastar para conseguir pegar uma arma.

— Pare de lutar, menina. — Soltou o traste que deferira os últimos golpes contra mim. — É inútil. Não há como vencer. — E não tinha. Mas não parei de me arrastar até que senti um chute em minha costela esquerda, me obrigando a ficar de barriga para cima. Encarei a face da criatura que fora covarde o suficiente para chutar um inimigo já caído. Cabelos negros, quase tanto quando as pupilas que brilhavam com ódio diante de mim. Então aquela seria minha última visão antes de morrer, pois daria um jeito de tirar minha vida antes de ter arrastada para as garras daquelas rainhas ordinárias. Como se conseguisse ler meus pensamentos, ele colocara um pé contra minha garganta, impedindo que qualquer resquício de ar entrasse em meu corpo.

— Você é patética. Sinceramente, estou um pouco decepcionado. As histórias que escutei sobre você e sua família, sabe.... Esperava uma oponente mais a altura. — Nada além de ódio adentrou meu ser. Eu queria arrancar aquele sorriso debochado daquele maldito rosto. Mas mal conseguia respirar. Observando o desprezo que eu expressava, ele ergueu a mão, e eu fechei os olhos esperando o impacto de outro soco.

Frio fora o que senti ao invés de dor, como se a temperatura tivesse caído vários graus ao redor.

Não ousei abrir os olhos quando o peso da perna do soldado saiu do meu corpo, nem quando seu grito fora silenciado. Gritos e mais gritos foram proferidos. Espadas se chocaram. E então nada. Estava acabado.

Reuni minhas ultimas forças, conseguindo virar o corpo apoiei os dois joelhos no chão e me apoiei sobre as pernas. Abri os olhos e então o avistei. Ele estava de costas para mim, avaliando os corpos sangrando no chão. Inalei fundo, tentando assimilar o que estava bem na minha frente. Não podia acreditar no que via, mas lá estava, asas, iguais as minhas, illyrianas.

O guerreiro se virou, como se lembrasse que eu ainda estava ali, mas não conseguia focar meus olhos em seu rosto. Cansada demais, machucada demais, exaurida demais. Com o ultimo folego que restava no meu corpo, consegui pedi.

— Asas. Salve as minhas asas, por favor. — Sabia que ele entenderia a importância daquela última suplica. E seus passos controlados e suaves indo até mim foram a última coisa que vi antes da escuridão me envolver. 

Corte de sombras e esperançaWhere stories live. Discover now