Capítulo 2

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Não havia nenhuma janela naquele lugar. Escuridão era tudo que havia ao meu redor. Meus olhos se acostumaram com o ambiente e consegui distinguir uma pequena cama na parte esquerda do cômodo, se é que aquilo podia ser chamado de cômodo.

Me encontrava de joelhos no chão gelado daquela cela desde o momento em que me jogaram ali. O sangue zunia em meus ouvidos enquanto eu tentava entender tudo o que ocorrera até então.

Como eles puderam fazer aquilo com ela? Como pude ter sido interceptada tão facilmente por aqueles desgraçados da corte primaveril?

Nunca, em todas as décadas que tive o prazer de compartilhar com ela, nunca a vira sequer levantar a mão para alguém, quanto mais fazer algum mal. E mesmo assim, eles não hesitaram antes de cortarem suas asas e decapita-la na minha frente.

Lágrimas quentes escorriam pelas minhas bochechas. Minha garganta queimava por conta dos gritos que proferi durante todos aqueles minutos infernais.

Onde ele estava? Porque não estava lá como combinado? O que teria ocorrido para que não tivesse ido ao nosso encontro? Como o Grão senhor e suas malditas proles sabiam onde nos encontrar?

Morta. Nossa mãe estava morta. Não tinha sido capaz de salvá-la. Anos e anos de treinamento para nada. Para falhar miseravelmente no momento que mais importava.

E agora estava jogada no chão de uma cela podre. Talvez seja a punição do caldeirão por ter falhado com ela. Com a mulher que me dera a vida. Que dedicara a sua vida para cuidar e ensinar a mim e meu irmão a não sermos grão feéricos abomináveis iguais os canalhas que haviam lhe matado.

Raiva percorreu pelo meu corpo. Raiva de mim por não ter sido forte suficiente. Raiva do meu irmão por não ter estado lá quando mais precisamos. Raiva daqueles malditos que haviam lhe tirado a vida.

Mas eu sabia que de nada adiantariam sentir raiva, nada a traria de volta.

Acordei sobressaltada me sentando, recuperando a consciência ao ponto de poder granir da dor que fora causada pelo movimento brusco.

— Sonho ruim? — Perguntou a fêmea que estava inclinada sobre minhas pernas sem levantar o rosto para me encarar. Observei-a por um momento enquanto ainda despertava. A mulher possuía uma pele marrom exuberante, cabelos crespos no alto da cabeça apoiados por três tranças em cada lado da cabeça. Tatuagens illyrianas desciam por seu pescoço e braço. E nas costas, elegantemente fechadas, suas asas.

Asas.

Como se só naquele momento lembra-se das minhas, olhei por cima do ombro para enxerga-las. Estavam curadas, quer dizer, havia talas e alguns curativos com alguma espécie de unguento, mas estavam inteiras. Com um peso na garganta e medo no coração, consegui perguntar:

— Elas ficarão bem? ­— A curandeira, pausando por um instante o milagre que estava fazendo no corte na minha perna direita, levantou a cabeça e me encarou para responder.

— Não poderá voar pelas próximas semanas. Mas sim, ficarão bem. — E voltou para o seu trabalho.

— Como conseguiu? O que aconteceu? Onde eu estou?

Sem levantar a cabeça para responder desta vez ela proferiu:

— Devo admitir que dera um trabalho e tanto concertar suas asas. Mas nada que já não tivesse feito com um ou dois guerreiros pós a guerra. Mesmo desacordada, você se mexia a cada minuto do procedimento. Tive que mantê-la desacordada por três dias para poder finalizar o tratamento.

Corte de sombras e esperançaWhere stories live. Discover now