Capítulo 23

2.2K 310 103
                                    

Azriel


O que eu havia feito?

A pergunta ainda martelava na minha mente diariamente.

Havia passado uma semana, uma semana desde o momento que quase beijei Rayla.

Pela Mãe, eu deveria ter partido, eu tentei partir. Mas Rayla, sendo quem é, nunca aceitara as coisas facilmente, sempre questionando o destino com determinação bruta e isso era uma das coisas que mais adorava nela.

No momento que aqueles grandes olhos violetas encontraram o meu eu estava perdido, completamente perdido. Não havia nada na minha mente naquele momento, só ela. Só aqueles olhos mágicos, só a boca carnuda entreaberta totalmente beijável. Só o maldito calor emanando do seu corpo perfeito. E eu quase cometera o erro de beija-la.

Um maldito erro.

Como beijaria alguém como ela?

Rayla era irmã do meu Grão Senhor, a minha possível Grã Senhora em uma linha direta de sucessão e eu um maldito bastardo.

Como sequer me deixei levar tanto ao ponto de tocar nela? E, que o inferno me queimasse, não conseguia tirar a sensação de ter seu corpo pressionado contra o meu da cabeça.

Morrigan ter aparecido me fez amaldiçoar e agradecer ao mesmo tempo. Mor, a fêmea por quem meu coração ansiava por tantos séculos. A dona do meu mais profundo desejo. Conhecia Morrigan a éons e nunca, nunca havia perdido o controle perto dela. Sempre me coloquei no meu lugar, sabia que não era digno e aceitava minha condição. Mas com Rayla, com alguém acima da posição de Morrigan, perdi o controle como um maldito garoto.

Não era e nunca seria digno dela. E meu maldito coração apertava cada vez que me lembrava disso e fazendo questionar o porquê. Meu coração pertencia a sua prima, não? Então por que infernos de maldição estava se incomodando tanto por não poder ter Rayla?

Está com ela era terrivelmente fácil. Sorrir com ela era fácil. Ela estava marcada e havia muito mais cicatrizes em seu interior do que sob sua pele, mas conseguia ver o quanto ela lutava para curar todas elas todos os fudidos dias.

Percebia que havia algumas situações e certas palavras que a levavam novamente para aquele inferno, mas rapidamente ela tentava esconder aquilo. Mas eu via, eu a via. Em todos os aspectos. Adorava observá-la. Cada sorriso quebrado e também os verdadeiros, como ainda possuía medo dos próprios poderes, e de como era terrivelmente poderosa e não só sobre a magia.

A força de vontade daquela fêmea era inspiradora. Vivi por muito tempo e vi muitos quebrarem por muito menos do que ela havia passado e se recusado a quebrar. Todos os dias levantava e lutava, todos os malditos dias.

Inferno de mulher, mesmo que não tivesse a posição que tem, nunca seria digno dela, nunca!

Achei que depois do acontecido Rayla provavelmente falaria algo, tiraria alguma satisfação pelo seu jeito desinibido e sem rodeios de ser. Mas no dia da mansão ficara calada, e quando a reunião acabou voara para casa do vento sem ao menos se despedir.

Que o caldeirão me engolisse, mas esperei o olhar e algumas palavras dela miseravelmente e tive que engolir a decepção quando não vieram.

Nos dias seguintes treinamos normalmente, mas sempre havia alguém por perto arrumando alguma coisa para a queda das estrelas, então não houve momento algum para que ela me questionasse sobre a maldita ocasião.

Fora dos treinos e de algumas refeições nunca nos encontramos, submersos demais nas preparações para a Queda.

Mas dois dias atrás, depois de ter saído de umas das adegas de vinho que geralmente encomendo as bebidas quando há alguma comemoração, avistei Rayla encarando uma vitrine no final da rua. Dei dois passos em sua direção então percebi sua expressão e sabia que não estava afim de ter companhia.

Rayla ficou encarando o que quer que estivesse exposto ali por longos minutos, depois tocou o vidro com uma delicadeza extrema como se o mesmo fosse partir com o toque e, com um olhar de saudade e angústia, saiu.

A analisei dobrar a esquina e então fui em direção ao local onde ela estava. Era uma loja simples de música e na vitrine havia alguns instrumentos expostos. Atrás das marcas dos dedos de Rayla, um lindo, mas simples, violino cor de avelã se destacava esperando para ser levado embora.

Ela saberia tocar? E se soubesse, porque não o levou?

O olhar que ela lançara ao objeto fez com que uma parte enorme quisesse perguntar a Rhys o que a música significava para ela.

Se quiser saber algo sobre mim me pergunte.

Foi o que ela tinha me dito no primeiro dia de treino e seguiria estritamente seu pedido então, deixando o pensamento de lado, apenas segui meu caminho.

Porém, ontem, Morrigan pediu para que fosse a loja de cristais e pedisse mais algumas taças para a comemoração e assim fiz. Mas, quando cheguei na loja meu olho foi certo em uma pequena escultura de um violino em cristal e meu primeiro pensamento foi em Rayla. Não sei por que diabos não consegui sair da loja sem comprá-lo. Me convenci de que era um presente para sua primeira Queda das Estrelas depois de tantos anos.

Era isso.

E agora aqui estava, sobrevoando Velaris em direção a Casa para mais um treino, e em minhas mãos uma pequena caixa violeta destinada à minha atual confusão mental.

O pátio de treino estava vazio pela primeira vez na semana. O ringue de luta havia sido retirado e fora substituído por diversos vasos brancos um com um arranjo mais bonito que o outro. Me apoiei no parapeito com a pequena caixa as mãos e esperei. Já era sete horas e Rayla não costumava atrasar, porém de maneira alguma iria atrás dela novamente.

Mas então eu senti. As sombras dispararam antes que eu pudesse me mover.

Uma pulsação emanava de dentro da Casa. Magia pura. Magia em seu estado mais bruto e perigoso.

Já estava a caminho da fonte daquela magia quando as sombras retornaram sussurrando.

Rayla.

Dessa vez ela havia perdido o controle.

Entrei quase correndo em direção ao seu quarto, mas mudei de curso quando percebi que vinha de outra direção.

Desci as escadas em uma velocidade exorbitante e no momento que escancarei as portas de madeira que davam para a sala de estar senti um desespero que não sentia desde que vi Cassian com as asas dilaceradas em Hybern.

Rayla estava deitada no sofá, dormindo, mas com o rosto contorcido de angústia. E ao seu redor, a escuridão pura a envolvia.

Corte de sombras e esperançaWhere stories live. Discover now