Jack Lanterna - Parte 2

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23:00. Jack apagou seu cigarro antes de entrar em seu barraco. Um drogado que passava por ali gritando coisas sem nexo era a única alma que se via na rua aquele horário. Viver naquele lugarzinho um tanto inóspito era solitário, mas Jack não tinha muita escolha, afinal, perdera a guarda de sua filha adolescente há tempos atrás, depois que mergulhou numa depressão e no vício em jogos após sua esposa deixá-lo. Atualmente, se mudara para o gueto da cidade, onde pelo menos tinha condições de pagar uma moradia. Já fazia um ano desde a bizarra experiência que ele vivera junto com um sujeito estranho que sempre se vestia de preto e que alegava ser o responsável pelo sucesso de Jack nas jogatinas. Mas o homem agora procurava superar o estranho evento e acreditar que tudo não passara de alucinações causadas pelo álcool, seu melhor amigo.

Jack se sentou na velha poltrona que ele havia pego de uma caçamba de lixo na época em que mudou-se para a periferia. Pegou o controle remoto e ligou a televisão de ultrapassada geração que ele tinha na pequena sala. Como de costume, o aparelho piscou e travou algumas vezes antes de começar a transmitir os programas medíocres da rede aberta. Depois, foi até sua geladeira quase vazia e pegou uma garrafa de cerveja barata para beber enquanto assistia TV.

Cerca de quarenta minutos depois, ele já estava quase pegando no sono com a ajuda da cerveja e do tedioso programa que passava quando foi acordado subitamente por uma barulheira terrível. Estavam batendo à sua porta. E não parecia ser coisa boa vindo aí.

- Calma aí! Já vou! Parem com essa porra! - berrou Jack, levantando-se da poltrona com o pouco equilíbrio que ainda tinha e desligando a TV com uns tapinhas na lateral dela.

Ao abrir a porta acorrentada de sua moradia, Jack levou um soco na cara e caiu de costas no chão. Em sua frente estavam três homens armados de pistolas. O da frente, um careca bigodudo com cara de mexicano e com tatuagens pelo corpo todo, lhe era um tanto familiar.

- Tá aí, o vagabundo! - exclamou o bandido, furioso, indicando Jack com a pistola.
- Quem são vocês, seus babacas? - perguntou Jack, ainda não muito sóbrio e com a boca sangrando um pouco, tentando se levantar.

Ao ouvir aquilo, o homem tatuado lhe deu um forte chute no estômago, fazendo Jack se contorcer de dor.
- Devia marcar melhor o rosto de quem você pega grana emprestada, velhote! - rosnou o agiota, agachando-se e aproximando o rosto enraivecido do de Jack. - Agora fala logo, cadê minha grana?!
- Q-que grana? - indagou o pobre homem, deixando sangue escorrer pela boca.

Jack levou mais um tapa, dessa vez mais forte.

- Tô vendo que você já torrou os cinco mil que eu te dei, tiozinho! E nem tá lembrado! Agora desembucha, cadê a grana?!
- Eu... eu não...
- Ángel! Rico! - chamou o criminoso, virando-se para os dois comparsas que assistiam tudo com os braços cruzados. - Tá na hora de meter ele no saco! Ele tá pedindo!

O mexicano chamado Rico tirou um saco plástico amassado do bolso e o abriu, depois foi até onde Jack estava.

- Vou falar uma coisa, seus idiotas... - murmurou o bêbado, com sangue derramando pela boca. - Vocês vão se arrepender disso! Nem lembro que porra fiz com esse seu dinheiro mas, se sumirem daqui agora, talvez consigam escapar!

Os agressores caíram na gargalhada. O chefe cuspiu na cara dele e provocou:
- Por que, valentão? Vai dar uma coça na gente, é?!
- Vocês não me conhecem! - rosnou Jack, nem se reconhecendo mais. - Ano passado, alguém bem mais perigoso do que um bando de delinquentes como vocês também veio me cobrar uma coisa que eu devia a ele. Mas o que aconteceu no fim foi que ele acabou me transformando em algo que eu nem sei explicar! Então caiam fora porque faltam dois minutos para a meia-noite do dia 31 de Outubro, que é o dia em que eu trabalho pra ele!
- O otário tá delirando, chefe. - comentou Ángel, risonho. - Acho que você pegou pesado na hora de meter porrada na cabeça dele.
- Chega dessa merda! - decidiu o líder do trio, impaciente. - Rico, bota a cabeça dele nesse saco logo, porra!

O capanga já estava seguindo a ordem do chefe quando algo o fez recuar, um pouco assustado. Jack estava agora olhando para ele, porém seus olhos estavam diferentes. O olhar fundo e melancólico de meia-idade havia dado lugar a duas esferas vermelhas, que começavam a literalmente pegar fogo. A boca do homem se abriu num sorriso diabólico que parecia rasgar a pele do rosto. Sua pele branca começou a ficar estranhamente alaranjada e grossa.

- Mas que p-porra é essa, chefia? - gaguejou Ángel, finalmente parecendo um pouco receoso. Até mesmo o manda-chuva agora se levantava e andava lentamente para trás, sem saber o que dizer. Os três invasores estavam agora com os olhos arregalados.

O crânio de Jack se arredondou. Suas narinas deram lugar a um buraco triangular da onde saía fogo. Um cabo de legume brotou no topo da cabeça dele. Seu corpo humano foi substituído por braços e pernas de madeira que se mexiam sozinhos, como um espantalho vivo. Finalmente, os três puderam constatar, horrorizados, que Jack havia se tornado uma espécie de monstro com cabeça de abóbora. Como se isso não bastasse, a coisa à frente deles começou a usar a voz, que era cavernosa como nenhuma outra:
- Assustados, cavalheiros? - ele rosnou, com ironia, antes de gargalhar tenebrosamente.

Sem conseguirem nem pensar no que responder, os três simplesmente sacaram suas armas e começaram a atirar incessantemente no inimigo. Porém as balas não surtiam efeito nenhum nele. A coisa apenas achou aquilo engraçado e, quando a munição do trio acabou, continuou falando:
- Oh, que peninha! Parece que ficaram sem balas! Mas não se preocupem, o titio Jack vai levar vocês pra um lugar onde não vão precisar mais dessas arminhas por um bom tempo!

O ser abriu sua bocarra monstruosa e expeliu um jato de fogo que dominou os três bandidos. Tudo que os vizinhos ouviram foram os gritos agoniados e assombrados deles. Um morador até chamou os bombeiros.

Na manhã seguinte, os legistas examinaram os cadáveres carbonizados dos três e os identificaram como três agiotas que já eram procurados pela polícia há anos. As autoridades classificaram o evento como um incêndio decorrente de um vazamento de gás local. Mesmo com a insistência dos vizinhos de que um estranho ser com cabeça de abóbora fora visto saindo do lugar em chamas...

FIM

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