Saci

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Caíque sempre gostara muito das histórias contadas por Seu Brito à noite em volta da fogueira. Nessas ocasiões, o velho se sentava ali junto com a criançada da vizinhança e lhes contava uma porção de causos que deixavam todos os pequenos boquiabertos.

Em uma dessas divertidas noites, Seu Brito resolveu contar a eles uma lenda muito conhecida dos mais antigos da região. Assim ele falou, com sua voz experiente:
- Minhas crianças... Já deve ter acontecido com vocês de algum pertence sumir sem mais nem menos, certo? Ou então de vocês tomarem leite pela manhã e estar azedo como se fosse leite velho.

Curiosas e atentas, as crianças todas se entreolharam e fizeram que sim com a cabeça. Essas coisas já tinham acontecido com elas um bocado de vezes, porém elas nunca haviam dado atenção.

- Pois fiquem sabendo que isso aí é tudo obra do Saci... - continuou o ancião, com um semblante misterioso no rosto. - É um espírito das matas que gosta de fazer das suas com o povo. Ele se parece com um menino pretinho duma perna só, que vive fumando cachimbo.
- E o senhor já viu ele, Seu Brito? - indagou uma garotinha, com a voz um pouco trêmula de medo.
- Se eu vi? - ele perguntou, dando uma risada. - Ah, sim, já tive o azar de ver esse capetinha uma vez, minha menina.
- Como é?! - indagou Caíque. - É sério? E como foi?
- Eu devia ser um pouco mais velho que vocês na época. - contou Brito, tentando se recordar. - Uma noite, os cavalos do meu pai estavam inquietos que só, pareciam estar assustados com alguma coisa. Levantei da cama, peguei o lampião e fui até lá olhar o que estava acontecendo. Quando cheguei, as crinas dos bichinhos estavam todas trançadas, até dei risada. Mas quando olhei pra trás, lá estava ele, olhando pra mim e rindo com aquela voz estridente e zombeteira. No outro dia, meu pai não acreditou em nada do que eu disse e ainda me deu uma bronca, achando que tinha sido eu que tinha brincado com o cabelo dos cavalos. - O velho relatou, dando risada.

Os jovens ouvintes ficaram todos boquiabertos.

- Mas ele num é de todo mau, não. - comentou o velho. - Só apronta com o povo porque gosta de fazer graça. Mas dizem também que o Saci num gosta nada de quem faz maldade. Dizem que, quando ele quer, ele entra em ação pra castigar gente ruim.

Seu Brito continuou, com a fogueira iluminando seu rosto risonho, enquanto ele olhava fundo nos olhos dos meninos.

- Dizem até que é possível prender ele numa garrafa. Basta esperar numa encruzilhada em uma sexta-feira e, quando ele passar na forma dum rodamoinho, jogar uma peneira daquelas bem grandes em cima dele. Daí é só usar uma garrafa de vidro com rolha pra pegar o Saci.

- Até parece! - retrucou Nara, uma menina da idade de Caíque que sempre fora um pouco cética a respeito do sobrenatural. - Como ele ia caber numa garrafa? Tô achando que isso tudo é só história pra assustar crianças!
- Mas o Seu Brito acabou de dizer que ele já viu esse Saci! - respondeu Caíque, afrontando Nara. - Você vai duvidar dele?
- Num precisam discutir, não, meus filhos. - abrandou o velho, sorridente. - Ninguém é obrigado a acreditar nessas histórias.
- Ei, gente! - interveio Décio, o melhor amigo de Caíque. - Por que a gente não tenta pegar ele na próxima sexta? Daí a gente vê se é tudo verdade ou só história mesmo!

Todos os outros ali toparam na mesma hora. Seu Brito ficava feliz de incentivar que os guris passassem mais tempo juntos em meio à natureza, mas sentiu que algo não acabaria bem. Mas resolveu não reclamar.

Assim que chegou a sexta-feira, as crianças da vizinhança toda se reuniram depois da escola para cumprirem o desafio. Décio levou uma peneira de palha que achou em sua casa e Rejane, uma amiga de Nara, levou uma velha garrafa de vidro de seu pai.

Perto dali, havia uma encruzilhada próxima a entrada de uma fazenda. Eles foram todos até lá, levando os instrumentos supostamente necessários.

Contos de Terror e MonstrosWhere stories live. Discover now