Wendigo

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Joe era um lenhador, tipicamente alto, robusto e barbudo. Vivia numa pequena cabana enfurnada em um denso bosque no Canadá junto com sua mulher, Yohanna, e seus dois filhos pequenos: Lucy e Kevin.

Em um dia de inverno, Joe pegou seu machado, despediu-se da mulher e foi ao trabalho. Como de costume, voltou para casa para almoçar com a família, já que o frio da região, ainda mais naquela época do ano, não permitia que ele fizesse uma fogueira no meio do mato para aquecer comida.
- Papai! - chamou Lucy, olhando para o homem, com uma face curiosa. - É verdade que na floresta existem espíritos e seres malignos?

Joe deu uma risada antes de responder:
- Quem foi que te disse essa bobagem, filha?
- Foi minha amiga, a Yuka. Ela diz que o chefe da tribo dela até sabe falar com os espíritos!
- Tribo? Chefe?! - questionou o pai, que era um homem muito preconceituoso. - E desde quando você faz amizade com índios? Eu já te disse para não se meter com aquela gente!
- Mas por que não, papai? - ela quis saber, surpresa e desanimada.
- Ora, por que eles são diferentes de nós! E essa sua amiga não te disse que há um homem lá que fala com espíritos? Esses índios são todos feiticeiros!

A menina não entendeu a razão que o pai tinha para desprezar tanto aquele povo. Apenas terminou de comer e foi para seu quarto, pensativa sobre aquilo.

Novamente, Joe pegou seu machado e foi cortar mais lenha lá fora. Enquanto isso, Kevin brincava dentro de casa com seu aviãozinho de brinquedo e Yohanna lavava a louça do almoço.

Passaram-se algumas horas. A noite caiu e nada do pai voltar para casa. Yohanna começou a ficar preocupada:
- Onde é que esse homem está a uma hora dessas? Já era para ele ter voltado!

Foi então que a mulher ouviu a voz de seu marido chamá-la lá de fora:
- Querida! Querida, sou eu! Pode me ajudar? Me machuquei andando pela floresta! Pode vir até aqui?
- Claro, querido, já vou! - ela respondeu alto. - Puxa, até que enfim você chegou! Por que demorou tanto?

Não houve resposta. Yohanna pegou uma garrafa de aguardente para cauterizar o ferimento que o lenhador dizia ter. Enquanto isso, as crianças brincavam na sala de estar do chalé.

Foi aí que as duas escutaram os gritos apavorados de sua mãe vindos lá de fora. Assustados, os dois foram olhar pela janela, porém a neve naquela noite era tanta que não conseguiam ver nada adiante. Os irmãos começaram a chorar, com medo.

Foi então que ouviram a tranquilizante voz de sua mãe vinda do outro lado da porta:
- Crianças, sou eu, a mamãe. Abram a porta, seu pai está precisando de ajuda aqui fora.

Os dois se entreolharam, sem entenderem como o humor da mãe podia mudar tão rápido. Kevin foi até a porta para abri-la.
- Kevin! Não! - murmurou Lucy, desconfiada e falando bem baixinho.
- Por que não? É a voz da mamãe! - ele retrucou.

Antes que a menina pudesse impedi-lo, Kevin puxou o ferrolho da porta e a abriu.

O que se passou depois foi a cena mais aterrorizante que a pobre Lucy já tinha presenciado. Não era sua mãe que estava lá, e sim um estranho ser que ela nem soube como descrever.

Ele era muito grande e tinha dois braços enormes com dedos compridos e garras. Também tinha dentes afiados como facas. A coisa agarrou o pequeno Kevin e o jogou para dentro de sua enorme boca.
A menina teve de assistir enquanto o monstro mastigava seu irmãozinho. Desesperada e berrando, Lucy correu até a lareira, sem saber se isso adiantaria. Quando a criatura se aproximou para apanhá-la, ela pegou um pedaço flamejante de lenha na beirada da lareira e o atirou no rosto bizarro do invasor. A coisa soltou um rosnado terrível e agonizante e fugiu correndo, derrubando tudo em seu caminho.

Depois da horrível tragédia que atingiu sua família, Lucy foi viver com a tribo de sua amiga Yuka. O chefe de lá aceitou a órfã, já que era uma amiga muito querida por Yuka. Em pouco tempo, Lucy aprendeu a língua deles e se adaptou bem aos seus costumes.

Uma noite, quando todos na aldeia estavam jantando um bom ensopado de carne de búfalo em volta da fogueira, Lucy tomou coragem e, mesmo detestando se lembrar daquela noite, perguntou ao chefe:
- Senhor, você sabe o que foi que fez aquilo com meus pais e com meu irmãozinho?

O índio suspirou, como se não quisesse tocar naquele assunto. Mas resolveu contar a ela toda a verdade:
- Minha criança, - começou ele, com sua voz sábia e poderosa. - Ás vezes, na natureza selvagem, homens perdidos que ficam muito tempo sem terem nada para comer podem ir à loucura. Algumas vezes, ficam sem opção alguma a não ser... se alimentarem de seus companheiros.

A menina ficou incrédula ao ouvir aquilo. O velho continuou:
- Quando isso acontece, o homem que comeu a carne do outro começa a se transformar em uma fera horrenda, que está sempre faminta por carne humana. Nós a chamamos de Wendigo.

Alguns membros da tribo ficaram tensos só de ouvirem aquele nome.

- O Wendigo é uma criatura terrível, mas muito esperta. Ele sabe subir em árvores, se esconder em cavernas e até mesmo imitar a voz humana, para atrair suas vítimas.
- Então foi por isso que ouvi a voz da minha mãe na porta naquela noite? - Lucy perguntou, à beira das lágrimas.

O velho assentiu, com pesar no rosto, e continuou:
- Porém, existe algo que ele teme: O fogo. - ele comentou, voltando o olhar para a fogueira que crepitava em frente a todos.
- Então é por isso que ele fugiu quando eu joguei aquele pedaço de lenha nele? - indagou Lucy, enxugando suas lágrimas.
- Exatamente. - confirmou ele. - Pode ter certeza que ele não vai se esquecer de você por um bom tempo. - o índio garantiu, com um sorriso acolhedor.

A menina ficou pensativa por um tempo e então perguntou ao chefe:
- Bom... se eu feri ele sem nem saber como... você poderia me treinar para então, eu começar a caçar esses monstros para que eles não destruam mais famílias como aquele fez com a minha!

Todos os índios ficaram muito admirados ao ouvirem aquilo. O chefe respondeu:
- Em nossa cultura, admiramos muito a bravura de um guerreiro, minha criança. Então sim, eu irei treiná-la.

BONS PESADELOS

Contos de Terror e MonstrosWhere stories live. Discover now