Ghoul

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- Então o que temos é um caso de roubo de túmulos, certo? - indagou o detetive Camilo, fumando um cigarro.
- Um roubo não, vários! - corrigiu Sérgio, o dono do cemitério, com um ar preocupado. - Esse último já foi o terceiro túmulo a ser sabotado! As famílias dos outros dois falecidos disseram que irão nos processar se não acharmos o culpado logo!
- Certo, se acalme, doutor. - pediu o detetive, solene. - Infelizmente, esse tipo de crime é mais comum do que se pensa. Normalmente se trata de algum morador de rua ou drogado que roubou itens valiosos nas tumbas para vender.
- Mas não foi furtado nada de valor das lápides! - pontuou Rodney, o zelador do cemitério, que acompanhava a conversa. - Só o que foi levado foram os caixões inteiros com os cadáveres dentro! Que tipo de doente faria algo assim?!
- Bom... - pensou alto Camilo. - Talvez isso seja obra de alguma seita ou culto macabro. Desses que usam partes humanas em rituais.

Os outros dois homens se entreolharam, ligeiramente assustados.
- Seja como for, detetive, precisamos que o senhor faça algo para deter seja lá quem que esteja fazendo isso! - apelou Sérgio, ainda apreensivo.
- Não se preocupem, meus senhores. Eu farei meu trabalho, não sou o detetive mais reconhecido da cidade à toa. Acho que ficarei de tocaia no cemitério durante a noite para ver se pego o criminoso no flagra.

Os outros dois agradeceram e se retiraram do gabinete de Camilo. Combinaram de tratar do pagamento depois que o caso fosse encerrado.

Na noite seguinte, o detetive compareceu ao cemitério assim que anoiteceu, como planejado. Cumprimentou o zelador e foi se posicionar em uma área bem discreta, atrás de alguns arbustos. Tirou seu revólver do bolso e ficou com ele em mãos, de olhos bem abertos. Trouxera também uma lanterna e uma garrafa de uísque, para se aquecer naquela noite fria.

Passaram-se algumas horas. Nada aconteceu. Um corvo solitário piava tristemente em cima de uma cruz. Vez ou outra, um gato passava ligeiro por entre os túmulos.

Já estava perto de meia-noite e até agora, nenhuma pista. O detetive já começava a ficar aborrecido. Foi então que ouviu um farfalhar na vegetação próxima. Virou-se com rapidez.

A uns trinta metros de distância, em frente a um túmulo, viu um vulto preto que parecia alguém agachado. Sorrateiramente, o detetive foi se aproximando com sua arma na mão. Ao chegar bem perto, apontou o revólver para o sujeito e gritou:
- Mãos ao alto, vagabundo!

O indivíduo se virou para ele. Camilo notou que ele estava todo coberto de roupas pretas e até mesmo uma máscara de inverno que lhe cobria o rosto. Assim que viu o detetive, o infrator se virou num movimento surpreendentemente ágil e pulou por cima da grade do cemitério, caindo no chão do outro lado de quatro como um animal.

- Pare ou vou atirar! - bradou Camilo, com o revólver em punho.

A coisa vestida de preto tentou fugir de quatro. Era estranho como aquilo era veloz nessa posição. Camilo não teve escolha: Mirou com a arma e disparou.

O tiro atingiu a coxa do alvo. O criminoso soltou um gemido desafinado e sumiu na escuridão da noite.

- Droga, o cretino escapou! - lamentou Camilo, ofegando.

Ao se voltar para o túmulo a sua frente, viu que a abertura do caixão estava escancarada e o corpo de uma velha estava grotescamente exposto. Parecia que haviam marcas de mordida em seu rosto.

- Mas que diabos esse malandro estava fazendo? - questionou o detetive, intrigado.

Naquela noite, Camilo mal dormiu. Estava assombrado pela imagem do cadáver mordido e mais ainda pelo fato de alguém (ou algo) ter tentado comer aquilo.

- Será que estou lidando com algo de outro mundo, afinal? - ele pensou consigo.

Na manhã seguinte, ele foi até a secretaria do cemitério falar com seus clientes. Encontrou Rodney e logo disse que precisava falar com ele e com seu chefe.

- O seu Sérgio não está hoje. - explicou o zelador. - Disse que está um pouco indisposto hoje. Ele disse que lhe daria satisfação assim que melhorasse de saúde.
- Certo. - concordou Camilo. - Mas gostaria de lhe pedir algo, então. Será que poderia me mostrar as identidades dos defuntos que foram levados?
- Pois não, seu Camilo! - confirmou Rodney, virando-se para ir até os arquivos do cemitério. Pegou uma pasta de papelão e tirou alguns papéis de dentro. Com o dedo indicador, mostrou os nomes e as fotos dos falecidos.
- Espere um pouco... - pediu Camilo, ao ver a foto de um dos sujeitos. - Este homem aqui, quem é?
- Chamava-se Bartolomeu Guedes. Faleceu em 1939, aos 56 anos. Por quê?
- Ele não te lembra alguém, Rodney?!

O zelador estreitou os olhos e, em seguida, um espanto surgiu em sua face.
- Céus! Ele se parecia mesmo com o seu Sérgio, não? - ele comentou, risonho. - Quem sabe seja algum parente distante dele.
- Me diga, Rodney! Onde Sérgio está agora?
- Bom... - respondeu ele, aparentando estranhar a pergunta. - Creio que no apartamento dele, na rua 37. Por que?

Camilo nem respondeu, correu para seu carro e foi até o endereço mencionado. Chegando lá, foi até a porta do apartamento e bateu na porta bem forte.
- Doutor Sérgio! Doutor Sérgio! - ele chamava, aflito.

Ninguém respondeu nem abriu a porta. Camilo arrombou-a a chutes e entrou, com o revólver em riste. Ao entrar na cozinha, seu coração disparou.

Um braço humano em decomposição estava disposto sobre uma mesa, com um cutelo fincado ao lado. Camilo não entendia coisa alguma, a situação foi tão chocante que ele simplesmente desmaiou ali mesmo.

Horas depois, o detetive acordou no hospital. Sem entender onde estava, começou a se agitar assim que recuperou a consciência.
- Prendam ele! Ele é um monstro! É um monstro! - urrava ele, descontrolado.

Ao seu lado, um homem e uma enfermeira se levantaram e tentaram acalmá-lo.
- Acalme-se, senhor Camilo. Sou o delegado de polícia da cidade. Já sabemos quem aquele homem realmente era, graças ao seu trabalho. - ele comentou, elogiando o detetive. - Ao verem a porta do apartamento aberta, vizinhos dele entraram e acharam o senhor desmaiado. Acionaram a polícia e uma ambulância e logo desmascaramos aquele maníaco que mora lá.
- E pegaram ele?! - quis saber Camilo, ofegante.

O delegado suspirou.
- Infelizmente não, senhor Camilo. Na realidade, não o vimos em nenhum registro de nenhuma câmera de segurança do prédio dele e nem das redondezas. Receio que ele tenha fugido.

Camilo fechou os olhos, tentando se acalmar. Em seguida, abriu a boca e começou a falar:
- Tomem cuidado, delegado. Por favor. Ele não é um homem! É um ghoul!
- Perdão? - indagou o delegado, com uma sobrancelha erguida.
- Eu disse que ele é um ghoul! - irrompeu o paciente. - Um ser das trevas que se alimenta de cadáveres! E sempre que come um, ganha o poder de se transformar em quem o cadáver era quando vivo! Ele está na forma de um sujeito que faleceu nos anos 30! Podem ir conferir com o zelador do cemitério!

O delegado e a enfermeira se entreolharam.

- Quanta anestesia injetou nesse cara? - quis saber o oficial, olhando para a moça.
- Estou falando sério, delegado! - interferiu o paciente, louco. - Eu mesmo vi aquela coisa! Não é humana, corre de quatro feito um animal!

O delegado não deu mais ouvidos a Camilo. Dias depois, o detetive recebeu alta do hospital e decidiu que precisava de algumas férias. Foi para sua casa descansar.

Na primeira noite de descanso, estava assistindo TV e tomando um copo de uísque quando ouviu um ruído vindo de sua sala. Desligou a TV, pegou seu revólver e já ia se levantar do sofá quando sentiu uma lâmina pressionar sua garganta.
- Fique paradinho, detetive espertalhão. Ainda não esqueci do que fez com minha perna. - comentou, presunçosamente, uma voz de mulher idosa vinda de trás dele. - A propósito, gostou de meu novo corpo? É de uma velha que estava enterrada lá também!
- V-você vai pagar p-pelo q-que fez!- gaguejou Camilo, nervoso.
- Acho que não, detetive! - cortou-o o ghoul, sarcástico. - Estive pensando, e acho que um detetive particular de renome na cidade não seria uma vida tão ruim assim para ter, certo?

Camilo arregalou os olhos. A lâmina deslizou sobre a pele de seu pescoço, fazendo derramar-se uma grande quantidade de sangue.

Pouco depois, uma criatura bizarra que poucos já viveram para descrever estava ali, se refestelando com o cadáver de Camilo.

- É, até que gostei desse corpo novo! - comentou o ghoul, olhando-se no espelho, admirando o corpo do falecido detetive.

BONS PESADELOS

Contos de Terror e MonstrosWhere stories live. Discover now