Corpo-Seco

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Jaime trabalhava na roça, a pouco mais de um quilômetro de sua casa, que ele dividia com o irmão, Bento. O rapaz havia acabado de concluir mais um dia de trabalho. Estava exausto e suando de tanto capinar pés de milho.

Voltava para casa, assobiando solitariamente, com um saco cheio de espigas de milho nas costas. Andava com a cabeça meio distante. Não parava nunca de pensar em Milena, a moça que morava não muito longe de sua casa. Filha de um fazendeiro rico, ela era uma loira de olhos claros, que o deixava extasiado só de olhar. O sorriso dela era capaz de aquecer o peito de Jaime de uma maneira que nem cachaça das boas conseguia.

O calor do interior e os mosquitos que o rodeavam eram um incômodo tremendo, mas o lavrador se consolava com a ideia de tomar uma ducha e cair na cama para daí sonhar com Milena. Pouco depois, chegou, finalmente, ao humilde casebre em que vivia com o irmão. Ao entrar em casa, atritou os pés no capacho para tirar os restos de terra e deixou o saco de milho na entrada para vender na manhã seguinte. Só levou pra dentro umas duas espigas, pois estava morto de fome.

Antes de preparar seu desjejum, resolveu ir ver se Bento também estava a fim de um ensopado de milho com mandioca. Foi até o quarto do irmão e bateu na porta.
- Bento! Bento! Ocê qué jantá? Eu trouxe milho!

Não houve resposta, o rapaz pensou ter ouvido vozes de mais alguém vindo do quarto. Curioso, abriu a porta.

O quarto estava parcialmente escuro, só o que iluminava o recinto era uma vela que Bento costumava deixar acesa ao dormir. A princípio, o irmão parecia adormecido, embrulhado em suas cobertas. Mas foi aí que Jaime notou algo estranho: O "adormecido" parecia ofegar, como se estivesse nervoso ou temeroso. Decerto, estava apenas fingindo que dormia.

- Eu sei qui ocê tá cordado, Bento! Dêxa de brincadeira e levanta daí! - disse, Jaime, sem entender o motivo de tal fingimento e nem de tal nervosismo. - Levanta, rapaz!

Perdendo a paciência, Jaime subitamente se aproximou e puxou as cobertas com força. Mas o que se passou depois o deixou com as pernas bambas. Sentiu um peso doloroso no peito. Sob o cobertor do irmão... estava deitada Milena.

Com um olhar assustado no rosto, a menina estava agarrada a Bento, que tremia da cabeça aos pés. Ele sabia bem dos sentimentos de Jaime por ela. Este, por sua vez, apenas permaneceu com os olhos arregalados e com o corpo paralisado, sem saber como reagir.

- J-jaime? - gaguejou Bento, trêmulo.

O irmão não respondeu. Seu rosto estava vermelho como sangue e seu olhar estava vidrado e insano. Milena apenas olhava de um para o outro, sem saber se dizia alguma coisa.

Sem pronunciar uma palavra, Jaime deu meia-volta e foi até a sala, onde ficava, presa a uma parede, sua carabina. Pegou-a e voltou ao quarto do casal, com a arma em punho. Ao chegar lá, para o pânico dos dois, apontou a carabina para eles.
- Eu confiava nocê, Bento... - murmurou Jaime, com o queixo trêmulo, parecendo estar à beira das lágrimas. Milena desatou a chorar. Com os braços estendidos para a frente, Bento começou:
- Jaime, irmão, bora resolver isso cum carma. Abaixa essa...

BUM 💥

Milena deu um grito. O lençol de Bento se tingiu de vermelho. A moça logo se levantou da cama e cobriu o rosto com as duas mãos, chorando desconsoladamente.

- Eu te amava dimais da conta, Milena... - comentou, vacilante, Jaime, apontando a carabina para ela.
- Jaime! Jaime, não! - ela berrou, em pânico. Mas não adiantou.

BUM 💥

A moça chocou-se de costas com a parede e caiu no chão, sem vida. Tremendo e sem emoção alguma visível no rosto, Jaime olhou para sua arma. Depois, olhou em frente, com os olhos vermelhos e vazios, e colocou o cano da carabina na própria boca.

BUM 💥

Daquela noite em diante, muitos moradores da região alegaram ver coisas estranhas nas estradas e fazendas da região. Um jovem que voltava a cavalo de uma festa na cidade durante a madrugada viu um vulto estranho em cima de uma árvore. Parou o cavalo para ver se não se tratava de algum animal e viu um estranho ser parecido com um homem, porém extremamente esquelético, sem carne alguma, e com as duas órbitas vazias. O bicho também tinha a pele completamente seca, quase rachando. Na mesma hora, o viajante deu no pinote dali com seu cavalo.

Outra vez, o coveiro da cidade estava fazendo uma de suas rondas costumeiras pelo cemitério quando ouviu um grunhido medonho vindo de trás de algumas lápides e, ao olhar, se deparou com a mesma aberração que o jovem vira na outra noite. O ser andava de quatro e emitia sons muito estranhos, como se lhe faltasse ar. O velho coveiro não teve dúvida: Saiu correndo, desesperado.

Os mais velhos da região ouviam esses relatos e já anunciavam:
- Isso aí é a maldição do Corpo Seco, sô! Ele é alguém que fez muita maldade quando era vivo, e nem a terra quis comer. Daí, fica vagando por aí enquanto o corpo se decompõe, sem nunca ter descanso.

Só o que poucos sabiam era que aquele Corpo-Seco que assombrava a região era o próprio Jaime, condenado a passar a eternidade vagando com um corpo apodrecido, por ter assassinado o próprio irmão e sua amada.

                     BONS PESADELOS

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