Capítulo 35

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Em algum dia extremamente comum um simples acontecimento terá o poder de mudar sua perspectiva, e aquele dia se tornará memorável. Nesse mesmo dia comum, também pode acontecer algo ruim, e ele poderá se tornar o pior dia da sua vida. Mas todo dia será uma nova oportunidade.

Tessa olhou para as pessoas no salão, todos vestidos formalmente de preto, em respeito ao seu pai. Ela sabia que muitos estavam ali apenas para confimar a morte, estavam felizes com a partida dele; menos um concorrente, menos um inimigo, menos um. A ultima vez que esteve naquela casa, não sabia que seria a última vez que o veria ali com vida. Se soubesse, teria aproveitado melhor o tempo, teria ficado alguns minutos a mais.

O lugar cheio de vida, estava frio; as risadas se calaram. Seus irmãos estavam todos reunidos, em silêncio. Foi a única vez que seus parentes não a condenaram, ou julgaram; ela foi apenas a filha de Cuzco, até recebeu palavras bonitas. Respeitaram sua dor, ao menos. E ela viu um outro lado de Edna, sempre respeitou muito aquela mulher; não sabia o que faria na mesma situação que ela, que atitudes teria, porém ela era incrível. Ela foi forte por seus filhos, foi corajosa e lutou por algo que queria, talvez seu pai não a merecesse, mas teve muita sorte em tê-la. Edna ficou ali, firme. Em pedaços. E se despediu dele.

Depois de vê-lo dentro do caixão, seu corpo frio... quando rosas foram jogadas dentro do túmulo, e enfim, quando a cova foi coberta de solo, tudo doeu. Era como se a realidade do que aconteceu a atingisse, nunca mais o veria, eles não iriam ao clube de tiro juntos, eles não compartilhariam mais refeições, ninguém a chamaria de filha. Finalmente a partida dele se tornou real.

- Estou sozinha. - Falou para si mesma, amarga, não houve lágrimas. Já havia chorado tudo que podia nos braços de Eduardo. E ele só ficou lá, parado, segurando ela.

Não demorou muito, Cuzco morreu exatamente 10 horas depois de dizer que a amava. Esteve tanto tempo com medo de não receber amor, que não percebeu o quanto as pessoas gostavam dela. Tinha uma visão tão distorcida de si mesma.

Maria segurou sua mão quando se despediram pela ultima vez de seu pai, todos os seus alunos foram no enterro, Victor estava sempre a alimentando. Recebeu amor de diferentes formas. Ali em silêncio, escondida, sentada no chão, encostada nas grades de segurança de uma das sacadas que davam para o salão, ela percebeu que se fechou para o mundo. Ela entendia agora. Em parte, só ter a mãe, e vê-la ir embora, de forma tão dolorosa, fez ela achar que amar alguém era ruim, perigoso. Ela odiava se despedir, e se agarrou a Eduardo como uma fuga da sua vida. E então, novamente, ela se magoou por amar alguém. Esse medo, a impediu de viver. Talvez, se ela tivesse sido corajosa, Maria fosse sua melhor amiga, seus irmãos fossem mais próximos, talvez ela tivesse mais momentos felizes para se lembrar agora.

Sua mente era um turbilhão de suposições.

- O que está fazendo aqui, sozinha, no escuro? - Russel se sentou ao lado dela no chão.

Ela continuou olhando para o salão, as pessoas se movendo, se cumprimentando. Um tempo depois, ela percebeu que ele queria uma resposta, mas ignorou a pergunta.

- Pensei que todos já tivessem ido. - Ela confessou, ela sabia que a turma de Russel foi a que ficou por um período maior, mas eles sumiram do seu campo de visão por um tempo, fazendo ela achar que eles já tinham se retirado.

- Todos já se foram. - Ele confirmou. - Só eu fiquei. Queria te ver, antes de sair.

Ele era um bom garoto, mas naquele momento ela só queria ficar sozinha. Ela se forçou a sorrir, para que ele finalmente fosse embora. Se fingisse estar bem, todos a deixariam ficar sozinha.

- Você tem dois guarda-costas. - Ele revelou atraindo a atenção dela. - Seu cunhado está cuidando das pessoas que perguntam por você, e seu marido afasta todos aqueles que podem ser cretinos. Foi bem difícil saber onde você estava.

- Eles sabem que estou aqui? - Ela murmurou surpresa, imaginou que tinha se esgueirado pelo salão sem chamar a atenção, que estaria fora do radar de qualquer pessoa ali.

- Não deixam ninguém se aproximar dessa parte do salão.

Pela primeira vez naquelas horas interminavelmente horríveis, ela sorriu, um sorriso de gratidão.

- Acredite em mim, foi muito difícil furar o bloqueio deles, quase pensei que você era alguma celebridade. - Russel brincou, e lhe arrancou outro sorriso. - Eles estão cuidando de tudo, então você só precisa cuidar de si mesma. Eu ainda quero ter aulas com a melhor professora do país, e quem sabe ser melhor que você. Então, por favor, leve seu tempo, e fique bem.

Tessa sacudiu a cabeça levemente concordando. Russel se levantou do chão, limpou a poeira imaginável das roupas, e lhe sorriu pela ultima vez antes de sair. Como se dissesse: "Até logo, Tessa".

Ela imaginou que estava sozinha, escondida, mas eles estavam ali, protegendo-a. Se levantou, respirou fundo, e saiu das sombras. Encontrou os dois parados próximos à saída para sacada onde esteve escondida. Quando se olharam, teve certeza de que poderia confiar sua vida à eles, que eles sempre estariam ali.

- Estou pronta. - Ela afirmou. - Podemos ir para casa agora.

Ambos sacudiram as cabeças em concordância. Eles eram tão parecidos, e tão diferentes.

Eduardo lhe ofereceu a mão, e ela a agarrou. Ele abriu caminho entre as pessoas no salão, e Victor vinha logo atrás. Calmamente atravessaram o recinto, e chegaram ao lado de fora. Ela não sabia que horas eram, mas já era bem tarde.

Um motorista dirigiu o veículo, e ela se sentou no meio dos dois homens que faziam seus dias mais alegres, mais comuns. Ela pousou a cabeça sobre o ombro do marido e lhe segurou a mão, também tomou a mão de Victor e fechou os olhos. Não foi preciso nenhuma palavra, eles entendiam. Ela estava agradecendo, por aquele dia, por tudo.

Mais tarde, Tessa se sentou na cama, e olhou para o quarto escuro, ainda não tinha sono, seu cérebro se recusava a 'desligar', mesmo estando muito cansada. Ela ouviu um batida suave na porta, imediatamente se virou para ver Eduardo aparecendo entre uma fresta da porta aberta.

- Você está com sono? - Ele perguntou com voz baixa, o que só lhe indicava já ser, realmente, muito tarde.

Ela negou.

- Não consegue dormir?

Ela afirmou.

- Quer assistir a um filme comigo? - nesse momento ele já estava totalmente dentro do quarto dela.

- Você não tem que trabalhar amanhã cedo?

- A vantagem de ser o chefe - Ele deu de ombros, como se não se importasse. Mas ela sabia que era por causa dela.

- Que filme quer assistir? - ela perguntou afastando as cobertas para que ele pudesse se sentar ao lado dela na cama.

Eduardo pegou um controle e ligou a TV. Após uma busca rápida colocou um filme qualquer, algum lançamento recente.

- Por que estamos assistindo a um filme da Pixar? - ela perguntou sem entender.

- Porque você gosta de desenho animado. - ele disse simplesmente.

Tessa olhou para o perfil do marido, tentando decifrar seus pensamentos. De repente, percebeu que seus cabelos ainda pingavam água. Ela tocou, e os sentiu úmidos sob sua mão.

- Você não secou os cabelos direito. - ela ameaçou se levantar para pegar uma toalha, mas ele a impediu.

Segurou sua mão, e a encarou. Ela não fez mais nada a não ser encará-lo de volta. Eduardo fez com que a mão dela o acaricia-se, descendo pela lateral do rosto, até chegar em seus lábios, onde por fim, aproveitou para beijar-lhe a palma.

- O filme já vai começar. - Ele sorriu, e soltou-lhe a mão, focando na TV a sua frente.


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