POV - Richard - parte 1

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O calor entrava pela enorme janela e tomava toda a mesa. O café amargo me manteria acordado após mais uma noite ruim. As horas de sono perdidas cobrariam seu preço em algum momento, mas naquele, as coisas estavam onde supostamente deveriam estar.

— Quer se sentar onde a luz do sol não incomoda, Richard? — perguntou-me Charles.

Sim, eu sentia o calor, mas não via a luz, não havia luz para mim há muito tempo.

— Aqui está bom.

A cafeteria era bem perto do Orion, o prédio da gravadora. Praticamente minha casa, então fomos a pé mesmo.

Charles andava ao meu lado em silêncio. Ele sempre respeitava meu silêncio, era só o que eu tinha naqueles dias.

Foi aí que aconteceu. Algo pesado me acertou de repente, jogando-me ao chão. Rapidamente, as pessoas me cercaram. Eu sentia uma dor leve na lateral do corpo, e estava mais preocupado com a reunião em que precisaria estar em dez minutos. E no fato de que colocaria o imbecil que me atropelou na cadeia.

— Perdoe-me senhor, não o vi na rua.

Uma voz feminina e amedrontada me surpreendeu. Era uma mulher, afinal de contas. Não colocaria uma mulher na cadeia, não importa o quão imbecil e ruim de direção ela fosse. Então ficar sentado aqui, servindo de show para esse bando de pessoas, nessa rua imunda, era uma enorme perda de tempo. Eu tinha uma reunião em que precisava aparecer bem apresentável e por culpa dessa "louca" chegaria atrasado.

— O sinal estava fechado. Uma louca como você não deveria ter licença para dirigir, não duvido nada se sua habilitação foi comprada. Esse país sem lei. Se não viu dois homens na sua frente e o sinal fechado, para onde estava olhando, afinal?

Ela gaguejou um pouco, e por fim, perguntou:

— O senhor está bem?

Se eu estava bem? Isso era alguma piada? Eu poderia colocá-la na cadeia em dois minutos se quisesse e a louca estava me perguntando se eu estava bem?

— Claro que não! Estou nessa rua imunda, e atrasado para minha reunião! Sem falar desse carro velho e sujo que acabou com meu terno!

— Não! Meu carro! — ela disse em um tom que beirava o desespero.

Preparei-me para ensiná-la a dirigir olhando para frente, se amava tanto seu carro velho, mas foi aí que a vi.

Foi aí que pareceu que o ar faltou, não houve palavra dita em meus lábios, mas o encantamento, eu sabia que estava estampado na minha cara. Ela me olhou de volta, sustentou meu olhar, sem medo, e sim, com raiva. Com petulância. Ela era linda. Não, linda nem começa a descrever sua beleza. Como um anjo. Um anjo muito ruim de direção.

Estava com a aparência cansada, meio descabelada, e cheirava a cerveja. Devia trabalhar em algum bar da cidade, provavelmente estava voltando do serviço àquela hora da manhã. E como era linda! Eu vivia cercado por mulheres bonitas, muitas delas, mas nenhuma chegaria aos pés dessa, mesmo estando tão simples e cansada, sua beleza impediu qualquer sermão, reclamação ou atitude que poderia tomar contra ela.

Era isso. Richard Becker foi derrotado por uma mulher bonita. Como se isso nunca tivesse me acontecido antes, e de forma bem pior.

Levantei-me disposto a acabar com aquele show, e ir para a minha reunião. Mas ela não saiu da minha cabeça.

Tive que adiar a reunião para mais tarde. E qual não foi minha surpresa, quando no início da tarde, recebi um buquê de flores. Cravos amarelos e tulipas coloridas. Flores baratas, enviadas pela "louca". Era muito atrevimento me enviar flores quaisquer depois do que havia feito. Era muita ingenuidade achar que poderia me convencer a não processá-la com flores tão baratas!

Redenção - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora