Cap XI _ O fugitivo

2.6K 139 11
                                    

Poucas vezes me senti tão sozinho na vida. O fardo de carregar aquele segredo era, por vezes, insuportavelmente solitário. Eu vivia sob o mesmo teto que meu amante, mas precisava camuflar meus desejos o tempo inteiro.

Escondia meus apetites até mesmo dentro da minha própria casa. Não podia ser sincero sobre o que eu sentia nem com aquele que me recebia em seus braços e me beijava os lábios.

E agora eu tinha acabado de brigar com o homem que eu mais amei na vida e não podia desabafar com ninguém.

Ivan me largou pelado e sozinho na laje de casa e eu não consegui conter o pranto. Logo eu, que já havia sido humilhado tantas vezes por Jonas sem verter uma única lágrima, agora chorava como uma criança abandonada.

Deixei com que as lágrimas lavassem toda a porção de imoralidade que eu sentia acumulada em meus poros.

Me senti tão enojado com o rumo que minha vida havia tomado que cheguei a vomitar. Ainda assim, o gosto da porra do homem que havia me criado como filho continuava impregnando minhas vísceras, como uma marca maldita de minhas depravações.

Pela primeira vez me senti impuro e cogitei dar um fim na minha própria vida.

Caminhei até a beirada da laje. Gastei alguns segundos observando a vastidão noturna da favela que se expandia infinitamente à frente da minha casa. Algo parecia estranho.

Quem cresceu na periferia sabe reconhecer quando algo anormal está prestes a acontecer. Tudo parecia estranhamente calmo.

O silêncio que pairava no ar era, no mínimo, assustador. Uma tranquilidade ilusória que só se rompeu com um primeiro estampido seco.

Tiros, muitos tiros. Perto, muito perto.

O tipo de barulho capaz de assustar até quem nasceu numa zona de guerra. Talvez uma das poucas experiências capaz de me fazer valorizar minha própria vida outra vez. Me joguei no chão e tapei os ouvidos.

O tiroteio deve ter durado não mais que cinco minutos. Esperei até que a poeira baixasse e voltei até a beirada da laje para conferir se alguma bala perdida havia atingido a casa.

Na rua, um Sedan branco com marcas de tiro. Olhei para baixo e vi alguém tentando abrir nosso portão. Mas não era alguém estranho. Eu conhecia aquele capuz.

"Jonas? É você ?", chamei pelo seu nome baixinho para não chamar atenção.

"Caralho, Davi! Me ajuda! Os caras tão atrás de mim!", nunca antes tinha sentido tamanho desespero em sua voz. "Rápido, Davi! Eles vão me matar!"

O portão da rua estava trancado e ele devia estar sem as chaves. Sem pensar duas vezes, peguei uma escada paralela de madeira que estava por perto e joguei para ele.

Jonas subiu desesperadamente e eu recolhi as escadas logo que ele pisou na laje. Quase desmaiei quando notei que ele havia levado um tiro no ombro.

"A gente precisa ir pro Pronto Socorro, Jonas! Você levou um tiro!", não disfarcei meu desespero.

"Cê tá louco, primo? Se eu sair daqui os cara me mata", sua respiração estava muito ofegante, como se ele tivesse acabado de correr uma maratona.

"Que caras? Quem tá atrás de você?", mas ele não me respondeu. Na verdade, ele mal conseguia respirar. Saiu me puxando até o meio da laje.

Nos escondemos embaixo de uma lona que estava jogada por lá. Me perguntei se ele havia percebido que eu estava nu.

"Com sorte, ninguém vai encontrar a gente aqui", disse baixinho, recuperando um pouco o fôlego. A lona que nos cobria abafava consideravelmente os sons de fora.

Os Homens da Casa (GAY)Where stories live. Discover now