Cap. XIII _ O amor

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Saio de um longo banho, mas ainda me sinto preso em um pesadelo. Sei que minha noiva já voltou do culto, pois posso ouvir a televisão ligada do lado de fora do banheiro.

Laura me espera na sala enquanto eu me seco.

Ela veste um tailleur verde escuro, quase preto. Não preciso trocar uma palavra, sei que ela me espera para irmos ao enterro de meu tio.

Dentro de mim, algo me diz que não devo ir de encontro ao meu passado. Um temor que me aflige o espírito; uma aflição que insiste em me lembrar que não seria seguro estar no mesmo ambiente que meu primo, ainda que este ambiente fosse o funeral de seu pai.

Mas, ao mesmo tempo, sinto que preciso ver Ivan outra vez. Preciso vê-lo, nem que seja dentro de um caixão para ter a certeza que ele se foi; que aquele capítulo da minha história está, literalmente, morto e enterrado.

Talvez assim eu possa, finalmente, seguir em adiante.

Mas antes preciso descobrir onde seu corpo está sendo velado. Penso em ligar para uma de minhas primas para pegar o endereço, mas tampouco tenho o número delas.

"Você viu meu telefone?", pergunto a minha noiva, ainda sem saber como vou conseguir o contato das meninas.

Laura me entrega meu celular. Para além das vestes sóbrias, ela carrega um olhar sisudo e a cara emburrada.

Pego o aparelho, mas ela desembucha antes mesmo que eu tenha tempo de perguntar o motivo daquele seu bico.

"Um número estranho ficou te ligando enquanto você tava no banho. Eu atendi. Era seu primo". Imediatamente eu a encaro, consternado.

Meu primo Jonas e minha noiva conversando ao telefone - era como se dois universos opostos se encontrassem. Cada um deles conhecia uma versão muito particular de mim.

E eu nunca - nem em meus devaneios mais delirantes - imaginaria que essas duas versões um dia se encontrariam.

"O que ele disse?", tento conter meu nervosismo mas posso sentir meus olhos arregalados.

"Ele foi...", ela parece procurar a palavra certa, "estranho... Ficou rindo quando eu disse que era sua noiva. Disse que não vê a hora de te encontrar e de me conhecer. Mas o jeito dele de falar um pouco..."

"...Malicioso?", completo sua frase. Consigo imaginar o tom de voz ardiloso e levemente debochado de Jonas ao ouvir que eu tinha uma noiva.

"Isso!", confirma empolgadamente, como se eu validasse o estranhamento que ela sentiu ao falar com Jonas.

"Não liga, ele é assim mesmo", procuro disfarçar, mas sinto uma dor intensa na cabeça.

Mais especificamente na cicatriz que carrego na parte de trás da orelha esquerda. Carrego aquela cicatriz desde a coronhada que levei no dia da fuga de Jonas.

A dor é tão latente que tenho a impressão de que a ferida está se abrindo outra vez.

Foi Ivan quem me levou pro posto de saúde no dia que levei a coronhada. O médico plantonista deu oito pontos na minha cabeça.

Meu tio segurou minha mão enquanto o doutor suturava minha pele.

Fui liberado no final do dia, com a condição de fazer repouso absoluto pelas próximas horas.

Cheguei em casa meio tonto por causa dos remédios para dor que me deram no hospital.

As marcas de tiro e o cheiro de pólvora ainda estavam presentes, como um lembrete maldito daquela noite traumatica.

Ivan mandou que eu repousasse na sua cama de casal.

Geisa quis saber se estava tudo bem comigo.

"O médico disse que o Davi precisa de cuidados constantes por causa do impacto que ele levou no crânio. Ele vai passar a noite na minha cama pra eu ficar de olho nele". As meninas continuaram as perguntas - queriam saber o que houve com o irmão.

Os Homens da Casa (GAY)Where stories live. Discover now