Cap. XXII _ O tio

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Um a um, todos estão indo embora, até restar não mais que uma meia dúzia de gatos pingados ao redor do túmulo de Ivan.

Então é isso o que sobra de nós quando a vida se acaba? Um punhado de gente decadente lamentando um corpo sem vida que está prestes a virar comida de larva.

"Você precisa de mais tempo sozinho?", me pergunta Laura ao passar por mim. Confirmo com um leve movimento de cabeça e ela informa, "te espero no carro então".

Geisa é a próxima a se aproximar.

"Obrigada por ter vindo, Davi. Meu pai deve estar feliz em te ver hoje aqui, aonde quer que ele esteja". Ela me abraça suavemente e continua, "não vamos mais perder contato, você é uma parte importante da nossa família. Você sempre foi".

Se despede e vai embora.

Só agora me lembro da carta que ela havia me entregado momentos atrás. Tiro-a do bolso e me ponho a lê-la.

A caligrafia é mesma que costumava aparecer nos bilhetinhos românticos que meu tio me deixava quando tivemos um caso, anos atrás, na minha adolescência.

"Querido Davi,

Se você está lendo esta carta é porque não consegui lhe encontrar ainda em vida.

Acredite quando eu digo que fiz de tudo para ter essa conversa com você pessoalmente.

Mas talvez seja melhor mesmo você não ouvir da minha boca. Talvez você não suportasse se essa nossa conversa acontecesse cara a cara.

Para falar a verdade, eu também não sei se teria coragem de te contar pessoalmente o que eu vou te contar agora, meu menino.

A verdade é que eu sempre te amei, mas eu nunca entendi a natureza deste amor.

Desde o dia em que você veio morar com a gente, eu soube que você era uma criança especial. Mas, com o passar do tempo, sua atitude foi me confundindo.

Você me adorava tanto que, depois de um tempo, eu já não conseguia distinguir se eu amava você como a um filho ou se eu sentia algo diferente por você.

Quando eu te vi pela última vez, você me confrontou. Você quis saber se eu te amava de verdade ou se eu gostava de você só porque você me lembrava a sua falecida tia Rose. Naquela ocasião, eu não consegui ser honesto, mas hoje eu acho que você merece uma resposta.

Você estava certo ao acreditar que eu me envolvi contigo porque você me lembra um antigo amor.

Rose foi o maior amor que já senti na vida. A conheci na adolescência e nos casamos tão logo eu consegui me estabilizar no emprego de caminhoneiro.

Acontece que, numa das minhas muitas viagens pelo Brasil, eu tive alguns casos com mulheres de diferentes estados do país.

Uma dessas me marcou profundamente, seu nome era Lílian. Com ela eu constitui uma segunda família. Tivemos um filho, montamos uma casa. Vivíamos dias felizes quando estávamos juntos.

Sei que eu a amei de forma genuína. Talvez eu a tenha amado quase tanto quanto amei a sua tia.

Mas Rose descobriu e me obrigou a separar. Nunca mais encontrei Lílian e também perdi o contato com nosso filho recém nascido. Depois soube que ela teve outros dois filhos com outro homem.

Só alguns anos mais tarde eu vim a ter notícias dela. Lílian me ligou de uma delegacia, contanto que havia sido presa.

Seus dois filhos caçulas ficariam com a família do pai biológico, mas ela não tinha com quem deixar o mais velho, que era meu filho.

Os Homens da Casa (GAY)Where stories live. Discover now