05.00

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Quando a porta de correr do guarda-roupa estalou ao se fechar, eu me vi cara a cara com o meu próprio reflexo. O espelho da porta do armário era traiçoeiro de vez em quando, e, em manhãs como essa, eu não gostava muito de reparar na minha aparência.

Olhos cansados de quem não dormia há dias, e as roupas simples demais para um estilista que estivera, semanas antes, em Paris. Meus colegas de trabalho certamente vomitariam se me vissem tão casual quanto agora, em pleno dia útil. De jeans skinny, camiseta da Levi's – da coleção passada –, e sapatênis Osklen.

Em circunstâncias normais, eu também vomitaria. Mas essa não era uma manhã como as outras.

Senti o celular vibrar no bolso de trás da calça, e deixei o quarto, fechando todas as portas pelas quais passei, desde o corredor até o banheiro. Ashton muito provavelmente já havia sido liberado do plantão, mas como não aparecera até então, optei por trancar tudo, por medida de segurança.

Assim que girei a chave na fechadura, e virei o corpo na direção do corredor, notei que não estava sozinho. Um adolescente do número 302 – sendo, dessa forma, o da porta da frente – também repetia minhas ações. Quando reparou em minha presença, este torceu o nariz.

Franzi as sobrancelhas, confuso, mas tratei de ignorar.

O tap tap de nossos sapatos era o único som ecoando pelo corredor, conforme íamos em direção ao elevador. Fiz menção de apertar o botão para chamá-lo, mas o garoto fez o mesmo, o que tornou o clima ainda mais constrangedor entre nós. E eu detestava me sentir sem jeito com qualquer pessoa, por isso fui o primeiro a cumprimentar. — Bom dia.

O garoto piscou algumas vezes, estreitando seus olhos pretos na minha direção.

— Tá' falando comigo?

Resisti ao ímpeto de rolar os meus. — Não sabia que tinha mais gente aqui.

O adolescente ignorou meu comentário irônico, passando a ajeitar seu moicano punk, cujas pontas estavam tonalizadas de rosa shocking. O restante do cabelo era castanho escuro, e o nariz era bem anguloso, de traços europeus, eu supus. Lhe davam um ar maduro. No entanto, as roupas não o ajudavam em absolutamente nada. Me lembravam de Michael, anos antes – e me lembravam Michael agora, aliás –, como se ele estivesse tentando provocar os pais através do estilo de se vestir. Coturnos militares, calças com a cueca aparecendo – um ou dois números maiores – e uma blusa regata branca.

— Entre Green Day e Arctic Monkeys? — perguntei casualmente, enquanto os andares no visor do elevador aumentavam, indicando que este já estava chegando nesse andar.

O garoto deu uma risada seca. — Acha que eu sou otário? Não curto música alternativa não, tio.

Tossi teatralmente, como se estivesse ofendido. E realmente estava.

— Tio é o seu pai, pirralho. E te garanto que não tenho nem metade da idade dele. — Eu.

— Oh, foi mal. Não sabia que o Peter Pan asiático morava no apartamento da frente! Abre o teu olho, cara, você não tem idade para usar tinta loira no cabelo não. — Pirralho.

— Em primeiro lugar, eu não sou a porra de um asiático. Em segundo lugar, e quanto a você? Deve ter uns dezessete e ainda usa moicano. Jared Leto estava na moda com isso em 2010, e, bom, você não é Jared Leto. — Eu.

— Foda-se. — Pirralho. E, assim, encerrou-se a discussão.

O elevador abriu suas portas, e nós entramos. Num silêncio que, estranhamente, não chegou a ser desconfortável. Mas eu estava numa fase muito difícil esses dias, em que qualquer momento sozinho servia para pensar sobre minha própria desgraça.

Close as Strangers ✂ CashtonWhere stories live. Discover now