III

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Ela queria abortar.

Ela quis abortar.

Ela abortou.

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- Eii! Dormiu sentado, foi?!

- Ainda não! Tô indo neguinha, já tá tarde. Enzo já foi dormir?!

- Eu ia te falar agora! Será que você não pode ir lá no quarto ficar um pouco com ele?! - Ela pergunta com o semblante abatido.

Me dou conta do por quê.

- O pai dele não ligou hoje de novo, não foi?!

Ela responde que não com a cabeça. O ex-marido dela sendo um grande filha da puta tal qual nosso pai.

- Mas a pensão, ele tá...?!

- Tá sim, manda o dinheiro todo mês. Só não liga pra ele. - Ela baixa o olhar. - Mas não fala nada para o Enzo, eu disse que ele tava só trabalhando muito, eu não quero que ele se sinta abandonado, Ale.

- Relaxe! Eu também não quero. - Eu sei como eu me sentia quando eu era menino.

Meio sem jeito a abraço.

- Ele não vai se sentir abandonado, ele tem a mim, neguinha. Eu tô aqui pra te aperriar. Não vou sair de perto de vocês. - Ela me abraça rindo. - E a escolinha pode ajudar ele, deixe ele ir...

Ela confirma em silêncio e eu entro no quarto.

- E aí, cabra?! Bora dormir, tu tem que descansar pra amanhã conseguir ter disposição pra jogar.

- Tio Alê, eu quero fazer um montão de gol, um montão... - Ele gesticula usando as mãos de forma empolgada.

- Pois chegue! Se deite para dormir, venha!

Ele deita na cama e eu o cubro.

- Quando eu fizer um montão de gol, meu pai vai ir me ver, Tio Alê?!

///

- Oi, oi, oi! Alguém em casa?! - Digo entrando no apartamento.

Fiquei presa no escritório mais tempo do que eu queria. A ideia era chegar em casa antes do Pietro estar dormindo, para poder conversar com ele.

- Zelhaaaa! Zelhaaaa! - Grito chamado a mais velha que trabalha comigo.

- Oi, oi, oi, tô aqui, criatura! A senhora chegou tarde. Trabalho de novo?!

Zelha é a minha amiga, companheira, irmã, mãe do coração. Há anos trabalha para mim, e desde que começou nunca mais deixei ela ir embora. Cuida de mim de uma forma que nem minha mãe cuidava.

A conheci quando ainda morava no Rio de Janeiro, e há quatro meses trouxe ela comigo pra São Paulo. Quase não consigo trazê-la, mas por fim ela atendeu ao meu quase desespero de ter que cuidar do Pietro sozinha.

Discutimos e nos amamos na mesma intensidade. Ela tem um gênio forte, assim como eu. Mas no quesito sociável e da paquera, ela ganha. Vez por outra coloca seu batom vermelho e sai para seus pagodes. Me chama de careta no mínimo dez vezes por dia, e assim formamos nossa dupla de amigas que se amam mas possuem interesses distintos.

- Pietro já foi dormir, Zelha?!

- Tá no quarto!

- Ele jantou?!

- Só quis tomar um pouco de leite, tá jogando no celular. Eu avisei que a senhora não quer que ele fique jogando até tarde, mas a senhora sabe...

- Sei. Eu vou lá falar com ele.

DonaWhere stories live. Discover now