Capítulo 27 - Xeque Mate

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Frente a frente com Amara, meu coração acelera enquanto a encaro nos olhos. Com uma explosão de fúria, avanço contra ela, arrancando brutalmente o amuleto de seu pescoço. Sua figura, antes imponente, parece subitamente frágil. Lanço o artefato ao chão, pisoteando-o com uma ferocidade carregada de anos de enganos.

Em meio ao caos, uma visão sombria serpenteia através dos meus sentidos dilacerados. Rebecca, mero peão nesse tabuleiro de desespero, não foi a arquiteta da gravidez de minha mãe, nem a mente maquiavélica que transformou nosso reino sereno em um redemoinho de anarquia; não, era Amara, a maestra das traições, habilmente oculta sob um disfarce diabólico. Cada instante horrendo, cada sombra fugaz, sussurra seu terrível plano. Hoje, porém, é o fim desse seu teatro ridículo, onde os fios da traição estão prestes a se romper, e a cortina pesada do destino cai sobre esse espetáculo grotesco. O pulsar da incerteza envolve-nos, enquanto nos preparamos para desvendar os enigmas que Amara meticulosamente teceu.

Do amuleto surgem duas figuras, tão parecidas e ao mesmo tempo tão distintas. Samantha e Rebecca emergem como fantasmas do passado. Mãe e filha, unidas por laços invisíveis que o engano ocultava. Bryan, pálido como a morte, também aparece, gradualmente recuperando sua cor. Seus olhos encontram os meus com alegria, como se a redenção finalmente se aproximasse.

Mas reparo em um detalhe, as bruxas da ordem não apareceram. Deve ter tido alguma interferência, torço para que elas apareçam logo.

- Acabou para você, Amara. - Proclamo com fervor, mas a resposta dela corta o ar com um arrepio amargo.

- Para mim? Como você é tola, Camila. Tudo isso era exatamente o que eu precisava. Esse tempo foi suficiente para eu absorver o que desejava.

Suas palavras ecoam como um presságio sinistro, enquanto percebo que, mesmo no clímax da minha vingança, talvez eu tenha caído em sua última armadilha mortal.

Ouço ela sussurrar um feitiço.

- O se kwe pe se, O se kwe pe se, O se kwe pe se.

As palavras de Amara ressoam no ar como um eco sinistro, repetindo-se incessantemente, e à medida que ela persiste, sinto a força abandonar meu corpo. Uma fraqueza se insinua, como se cada repetição fosse um fio invisível retirando minha energia.

O ambiente ao nosso redor torna-se tenso, um silêncio interrompido apenas pelos sussurros sibilantes de Amara. Olhares confusos se entrelaçam, cada pessoa presente tentando decifrar o enigma desse cenário sombrio. Rebecca e Samantha, embora libertas do amuleto, permanecem frágeis, seus corpos mostrando os sinais de anos sugados por uma força desconhecida.

Os traços em seus rostos refletem não apenas a debilidade física, mas também a exaustão de enfrentar o desconhecido. A luz pálida revela suas expressões desgastadas, testemunhas de um sofrimento prolongado.

É como se o tempo tivesse moldado não apenas a carne, mas também a essência, deixando marcas incuráveis na aura das duas mulheres. O peso do passado obscurece o ambiente, criando uma atmosfera de angústia silenciosa, enquanto todos buscam entender o que se desenrola diante deles.

- Per se qui e fracta toi, per se qui e total toi.

Ela continua a repetir. Vejo Matheus surgindo do meio da mata, junto de um homem muito parecido com ele. E ouço ele gritar.

- Saia daí! Ela quer te matar!

Em meio ao desespero, ele se lança em minha direção, uma expressão de pavor estampada em seu rosto. Contudo, antes que pudesse alcançar-me, meu corpo sucumbe, caindo ao chão com um estrondo. A agonia toma conta de mim, cada osso se fragmentando sob o peso de uma dor indescritível, e minhas angustiantes exclamações ecoam pelo local, perdidas em meio ao tumulto.

Um círculo ardente surge ao meu redor, aprisionando-me em suas chamas vorazes. A imobilidade se instaura, como se as próprias chamas tivessem adquirido vontade própria. Sinto meu líquido vital sendo sugado de minhas veias, como se um vampiro o fizesse.

Bryan, em um ato desesperado, tenta ultrapassar a barreira de fogo, mas é violentamente repelido por Amara, um gesto cruel que evidencia a força avassaladora que ela agora possui. Samantha e Rebecca, presas em algum tipo de transe, observam impotentes, enquanto Matheus grita em desespero, implorando para que sua mãe desperte e intervenha.

Cada um dos meus sentidos é arrancado de mim, uma espiral de tormento onde a bruxa se alimenta da minha essência. A força dela cresce, e o ar está impregnado com um terror palpável.

Em meio à minha agonia, minha carne parece derreter, como se estivesse submersa em uma fornalha infernal. A capacidade de gritar é usurpada, minhas cordas vocais silenciadas pela tortura imposta. Amara anseia por uma morte lenta e angustiante, e eu sou a protagonista desse pesadelo.

No meio desse turbilhão de tormento, ouço a voz desesperada de minha mãe, Regina, implorando por misericórdia. Um homem, com um olhar sombriamente familiar, emerge. O mesmo olhar que o Trevas me deu quando tentou me matar.

- Camila... Minha filha, ele murmura.

O choque me envolve quando percebo que, durante todo esse tempo, Trevas era meu pai. Uma onda de tristeza e desamparo se abate sobre mim. Ele foi transformado em um monstro pela bruxa que agora drena minha vida.

Agora, estou aqui, à beira da morte, impotente diante do destino que foi cruelmente traçado para mim.

Enquanto a agonia se aprofunda, minha consciência oscila entre a dor insuportável e a descoberta perturbadora. As lágrimas que não consigo derramar turvam meu olhar, enquanto Regina continua suas súplicas desesperadas para que Amara interrompa esse banquete mórbido de minha vida.

O homem que agora reconheço como meu pai, mantém um olhar sombrio e distante, como se sua humanidade tivesse sido sugada muito antes da minha tortura começar. A realidade cruel desdobra-se diante de mim: a bruxa manipulou não apenas os eventos da minha vida, mas também as pessoas que mais amei.

Minha mente, em meio à agonia, tece os fios do passado, desvendando as artimanhas e maquinações de Amara. Ela jogou com as peças da minha existência, manipulando sentimentos, destruindo laços e transformando meu pai em uma sombra distorcida do homem que um dia foi.

As chamas ao meu redor dançam, refletindo a voracidade da magia negra que consome tudo. O calor é insuportável, e minha pele, agora desprovida de qualquer resistência, parece arder em brasas invisíveis. Nesse momento, a dor se torna minha única companheira.

Minha mãe, numa última tentativa de me salvar, encara Amara com olhos suplicantes.

-Pare! - Ela implora, mas a bruxa, indiferente, continua a drenar a essência da vida que flui de mim.

Meu pai permanece imóvel, um espectro silencioso de seu eu anterior, uma vítima e, ao mesmo tempo, um cúmplice involuntário dessa tragédia.

Enquanto minha visão turva e o mundo ao meu redor desaparece em sombras, a voz de Amara sibila como um último suspiro.

- Você foi apenas um peão em meu jogo, Camila. Adeus, minha querida.

E então, em meio à escuridão que se fecha ao meu redor, tudo desvanece, deixando para trás apenas o eco de uma vida que se perdeu na encruzilhada de destinos sombrios

As asas do tempoWhere stories live. Discover now