Capítulo 29 - O fogo nunca apaga

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Conteúdo sensível abordando suicídio e depressão!

Sinto o vento batendo no meu rosto, meu coração está tão acelerado que o sinto na minha boca. Várias memórias começam a passar pela minha mente. O dia que me mudei para Águas Claras.

Tudo parecia ser tão tranquilo, a primeira noite na cidade, a ida na colina com Cristina. As primeiras borboletas azuis. Meu primeiro beijo com o Bryan. Todos os momentos em que o Matheus apareceu para me salvar.

Ele não pode me salvar agora.

O penhasco é alto, e a queda é demorada, mas conforme vou me aproximando do chão, sinto tudo gelar. Lágrimas correm pelo meu rosto a todo momento, e eu solto um grito que a tanto tempo estava preso em minha alma.

Um grito de dor, de agonia, de tristeza, e de todos os outros sentimentos que agora já não fazem mais sentido explicar. É o fim pra mim.

Sinto o baque do impacto no chão. Uma dor completamente inimaginável percorreu meu corpo. Era como se todos os meus ossos tivessem quebrado e todos os músculos tivessem atrofiado. Uma dor terrível.

Mas e a morte? Ela não chegou?

Abro os olhos e me vejo.

Estirada no chão, com o corpo desmembrado e uma poça de sangue por todo o perímetro onde me joguei.

Aos poucos, vejo meu corpo se transformando em cinzas. Lentamente. Eu não entendo o que está acontecendo.

Vejo guardas se aproximando e gritando em desespero.

- A Princesa está morta!

Eles dizem.

Eles correm por todos os cantos. Meu corpo estava próximo a aldeia e não demorou muito para que os cidadãos perceberem. Um amontoado de gente já apareceu e me cercou durante um período.

Todos em choque. Mas por que? Todos sabiam o estado deprimente que eu me encontrava, eles esperavam o que?

O que se pode fazer com alguém que não superou um luto? Além de dizer belas palavras como, "ele está em um lugar melhor", "agora ele pode descansar", "os Deuses o acolheram".

Não. Não para mim. Ninguém podia dizer isso para mim, o meu Matheus estava dentro de uma pedra, com uma  maldição. Quase impossível de quebrar. Eu disse quase. Mesmo não tendo certeza.

Eu vi meu corpo virar cinzas, mas parece que os aldeões não viam o mesmo. Não, o que eles virão era uma Camila totalmente sem vida, sem cor, com pedaços do corpo espalhados pelo chão.

Mas por que só eu via o que eu via? Não entendo o porquê de ainda estar aqui.

Nem a morte foi capaz de chegar pra mim.

- Camila.

Ouço alguém chamar meu nome. Mas não vejo ninguém.

- Camila?

Me viro de costas e tenho o vislumbre de uma silhueta. Vestindo uma capa preta que cobre todo o corpo e o rosto, e uma foice de quase 2 metros de altura está em sua mão esquerda.

Fico sem palavras. Estou frente a frente com a morte. Então é assim que ela é?

A morte não tem face, não parece ter corpo. Ela aparenta apenas ser uma sombra, que te aguarda quando você menos espera. Ela não tem forma, e sua voz ecoa em meus ouvidos como um vento forte em uma tarde de tempestade.

- Você está pronta para ir, Camila?

Ela soa como um trovão, o qual eu não consigo responder.

O que fazer quando se está de cara com a morte?

Ela pega em minha mão, como ouvisse meus pensamentos mais profundos. Sinto o gelado que é sua forma. Eu ainda consigo sentir tudo. Isso era tudo o que eu não queria.

Eu fiz o que fiz porque estava cansada de sentir tanto, mas ainda sinto.

Eu não sei pra onde eu vou, eu achava que era o fim.

Caminhamos por um caminho escuro, frio e silencioso. Era assim que eu me sentia. Me sinto.

Um lugar morto, com plantas mortas, árvores mortas e todas essas coisas.

Também haviam algumas pessoas. Soluçando. Gemendo. Clamando do porquê não existia apenas um final.

A morte não é um final, é apenas o começo para algo muito ruim.

Uma brisa gelada bate no meu rosto, fazendo meu corpo arrepiar. Eu ainda estava com a mesma roupa, mas era como se não estivesse. Aqui é muito frio.

Caminho com a morte por esse bosque de aflição, sem saber o rumo. As pessoas aqui não encontraram o que queriam, e nem eu.

O arrependimento começa a vir, sinto vontade de chorar. Mas não consigo. O que diabos é esse lugar?

- Eu não quero ficar aqui.

- Você escolheu, Camila.

Paramos durante um curto momento, conclui que já chegamos no destino final. A morte já não segurava mais em minha mão. Apenas a observo, enquanto ela delicadamente se vira de costas e some.

Fico sem rumo. Eu achava que tinha perdido tudo, mas agora conclui que é possível perder mais. Eu perdi minha vida, que era a coisa mais preciosa que eu tinha.

Tem almas aqui tão desesperadas quanto a minha, alguns andam sem rumo se lamentando, enquanto outros apenas se sentam no chão frio e assim permanecem.

Existem alguns corpos amontoados em certos lugares, corpos que estão sumindo. Fico sem entender.

Sinto ódio de mim mesma pela decisão estúpida que eu tomei. Eu ainda podia fazer muita coisa. Eu sou tão jovem, ou ao menos eu era.

Sento no tronco de uma árvore morta,  cruzo minhas pernas e recosto minha cabeça sobre elas. Como eu pude esquecer quem eu era.

Eu era uma princesa, eu era o elemento fogo, uma das filhas da mãe natureza. E joguei tudo isso pro alto como se fosse um grande nada.

Tento aceitar meu destino, e ali permaneço. Sentada em um toco qualquer, nesse lugar que eu não faço ideia do que seja.

Dentro de mim eu sinto o tempo passar, mas aqui não parece existir uma concepção de tempo. Até que eu sinto algo diferente.

Não sinto mais o frio cortante que me abraçava, sinto uma fagulha quente saindo de minhas entranhas.

Me vem uma dor estranha no peito, e sinto como se meu coração estivesse cozinhando de dentro para fora. Uma faísca sai de dentro de mim e rebate no chão.

Não entendo o que está acontecendo. Até que outra faísca sai, e ricocheteia o chão de uma maneira mais forte.

Meus dedos começam a queimar e fogo saem de suas pontas. As pessoas que estavam ao meu redor, começam a me cercar, a fim de se aquecer. Mas não sentiam o calor como eu.

Todos gritavam, e mais fogo saia se dentro de mim. Por mais quente que eu sentia, não era nada para eles. Eles já estavam mortos. Mas eu também não deveria estar?

Minhas costas doem. E tenho a mesma sensação que tive quando me joguei daquele abismo. Sinto como se os ossos da minha coluna estivessem saindo para fora da pele.

Mais fogo, e eu não me queimava.

Algo estranho aconteceu, eu vi uma asa. Uma asa saindo de mim.

Ela saiu aos poucos mais ou menos abaixo do meu ombro, e não demorou muito para sair outra no mesmo lugar, só que do lado contrário. Solto um gemido de dor.

As asas queimavam como um fogo infernal.

Meu cabelo de fios loiros, passam a ficar vermelhos como a chama que saia de dentro de mim. Tento mexer as asas e elas batem tão bem como a de um pássaro.

Consigo levantar, e agora já estou voando.

Por isso eu vi as cinzas no meu corpo.

Eu vou sair daqui.

Eu sou uma fênix.

As asas do tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora