INCÊNDIO

3.3K 401 39
                                    


Incêndio

Liza

Quando Sophia deixou o quarto, a Irmã me contou a história de como veio parar em Nova Iorque. Pobre Irmã. Parecia o conto de um filme de terror. Passei os minutos ouvindo tudo absorta, por estar incapaz de acreditar naquela monstruosidade, e desesperada para entender de onde vinha a sensação de semelhança que a história me trazia:

- Era tarde da noite quando levantei para ir ao banheiro, mas tive a atenção desviada ao ouvir o barulho da lavanderia. Decidi me aproximar e ouvi passos atrás de mim.

Encontrei todas as máquinas ligadas, as três de lavar e as duas secadoras. Lembro do som delas chegando até o corredor.

Infelizmente minha velhice me atrasava, quando cheguei à lavanderia, deduzi que uma das tomadas havia entrado em curto circuito. O odor de queimado me alertou.

Não compreendi como estavam ligadas àquela hora, depois do toque de recolher. Me apressei em tentar desligar as máquinas. Foi difícil pelo tato, mas consegui. Alguns segundos se passaram enquanto eu tentava recuperar o fôlego, e o barulho recomeçou. Foram todas ligadas novamente. Fui fraca e não tive fé na hora. Deixei o pânico se apoderar de mim e não consegui mais localizar o botão de desligar. E o barulho aumentava.

O cheiro de borracha queimando subia pelo ar. Eu precisava sair da lavanderia, precisava pedir ajuda, mas alguém chegou à porta antes de mim e a trancou.

Por sorte, havia um alçapão que dava para o subsolo, e lá, uma passagem secreta para a sala do reitor. Era a única outra sala com um alçapão, eu só conseguiria sair, se chegasse até lá, mas era longe para uma senhora de idade e ainda por cima cega.

Em meu desespero me perdi, demorei muito para chegar. Eu rezava para que as crianças tivessem conseguido fugir, imaginava se ainda haveria alguma esperança, se ainda haveria tempo.

Podia vê-las nitidamente em meu pensamento, como ainda vejo agora. Dormindo tranquilamente como anjinhos, até o fogo alastrar tudo. Pobres crianças.

Se ao menos eu tivesse conseguido chegar a tempo.

Não sei quantas horas passei perdida naquele labirinto, até que escutei vozes vindo do teto acima de mim e reconheci uma delas. A de um menino criado por mim, alguém que passei a amar como filho. Ele sempre me escrevia e me visitava. Gritei seu nome, mas ele não me escutou.

Ouvi o reitor lhe dizer que eu estava morta. E entendi que era uma armadilha.

Esperei que ele saísse da sala antes de subir a escada do alçapão. Liguei para os bombeiros e em seguida me dirigi para Winterhill. Onde liguei para a congregação de Nova Iorque relatando tudo.

Depois eu soube que ninguém escapou. Trinta pessoas morreram, vinte eram crianças.

Eu não me orgulho disso Liza, mas eu queria ter morrido também.

A culpa me mata todos os dias, e é por isso que eu tenho essa febre.

Acho que Deus me castiga por desejar a morte, quando eu deveria agradecer por estar viva, por ter sobrevivido.

Então toda vez que me lembro das crianças, que me lembro do incêndio, desejo a morte e sou punida com a febre.

Acredito que não parti naquele dia, porque ainda não cumpri minha missão. Agora que você está aqui, tenho certeza disso. Esse mundo ainda precisa de mim.

E foi assim que cheguei onde estou Liza, perdoe-me, mas preciso lhe pedir que mantenha o que acabo de lhe confidenciar em segredo. O reitor acredita que morri. Não sei se é ele à quem devo temer, mas prefiro me manter em sigilo.

O Templo - Livro 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora