AFRONTAS

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AFRONTAS

Adrian

Adrian sentiu a presença de Gaia no andar de baixo do apartamento. Sabia que ela iria atrás de Liza. Obviamente já se considerava traída e nutria sua raiva.

De certa forma, Gaia estava certa. Adrian a trairia. Mesmo que Liza fosse a alma dourada, não poderia entregá-la a Ivanka como o combinado. Não seria cometendo outro pecado que se livraria dos seus erros. Mesmo que se libertasse do Estigma Púrpura, viveria afogado na própria culpa. Estava cansado de ver inocentes sofrendo nessa jornada, e determinado a ajudar Liza enquanto pudesse.

Da escada, viu os curtos cabelos ruivos de Gaia no sofá. Desceu calmamente, chegou até ela de costas, segurou-lhe os ombros e se apressou em explicar, antes que ela agisse por impulso, como era de seu costume:
— Ela não pode ser a alma dourada, Gaia. Nós fomos atrás da pessoa errada.

— Está apaixonadinho pela humana e agora tenta me enganar? Não vou engolir essa história, saia da minha frente!

Gaia levantou do sofá e o empurrou.

— Ela tem a marca, Gaia! Me escuta! Dois Vs já se formaram no pulso dela. Você sabe o que isso significa.

— Eu sei que está inventando isso. Posso sentir as vibrações através das suas Ruínas. Chegou a ficar desleixado e as deixa vagar pelo vento. Você está pulsando de amor por ela, e isso me enoja.

— Gaia, você precisa me ouvir. Não é ela quem Ivanka procura! Nós erramos! — Adrian segurou-a pelos pulsos e recebeu um choque que o obrigou a soltá-la.

— Tire as mãos de mim, traidor! Eu sabia. Nunca deveria ter confiado em suas palavras. Você jamais me amou como eu mereço. Duvido que sequer tenha me amado algum dia.

— Como pode falar sobre esse sentimento? O único amor que conhece é o próprio. Desde o início, Gaia. Devia ter sido você a condenada ao Vazio, não Ivanka.

— Pobre, Haniel, se tornou humano demais para entender que é por amor que se mata, e por amor que se vive. Eu quero a minha chance. Todos deviam ter o direito de tentar ser feliz. Pelo menos uma vez. Eu vou entregar a garota a Ivanka. E você não poderá me impedir.

— Eu não posso permitir isso. Sinto muito, Gaia.

Adrian esticou os braços em direção a Gaia. Ela riu com desdém e fez o mesmo.

O poder vibrava por seus dedos, rodopiava pela sala, Adrian imprimia todas suas virtudes no gesto, mas Gaia sequer vacilava. Era forte demais em seus vícios. Ela continuava firme, de pé, enquanto Adrian via suas forças se exaurirem. Os móveis de madeira estalaram com as vibrações. Vidros quebraram. A televisão explodiu. Objetos esvoaçaram pelo ar e quebraram-se ao encontrar as paredes.

Gaia se alimentava dele e ria cada vez mais alto.

Extasiada pelo poder, sedenta por se alimentar de sua alma. Por enfraquecer suas virtudes.

Primeiro as pernas tombaram e ele caiu de joelhos, usando de tudo o que podia para manter seus braços erguidos.

— Pobre Haniel, é tão humano em suas extensas virtudes. Pena que não lhe serviram de nada antes, como também não servirão agora.

Adrian deixou os braços caírem e se encolheu sem fôlego. Exausto. Contaminado por seus vícios. Mas ainda tentou convencê-la uma última vez:

— Deixe a Liza em paz, não é ela.

— Cale a boca, traidor. Fique aqui e assista à distância enquanto se recupera. Depois eu volto para terminar o que comecei.

O impacto do chute no rosto o derrubou para trás. O último som registrado por sua consciência foi o dos saltos da bota de Gaia ressoando escada acima atrás de Liza.

♦♦♦

Amanda

Releu centenas de vezes o resultado do exame. Envenenamento por toxina botulínica.

Conforme o médico falava, os sintomas pareciam se reforçar. Amanda escorregou pela parede e caiu sentada no chão do corredor. Talvez fosse medo. Talvez fosse pelo veneno ingerido. As letras giravam nos pensamentos enquanto seu peito se enchia e esvaziava de ar. Pela quantidade de toxina botulínica encontrada em seu sangue, era uma surpresa que ainda estivesse viva.

E o tratamento não surtiria efeito naquela quantidade.

O médico insistiu que poderiam confortá-la nos minutos finais, mas ela negou. Não se pode esperar nenhum tipo de conforto ao iniciar o cronômetro para o fim.

Claro que foram as trufas. Por que outro motivo Ethan a presentearia?

Ficou um tempo ali, no chão. A vida toda passando por trás das pálpebras fechadas. Seus pais, Ben, Liza... Até se dar conta de que não havia tempo para pensar. Só teria tempo de se despedir de uma pessoa, antes de dar adeus à vida que mal havia começado. Ben.

Em poucos minutos, a desgraça inevitável já se acometia sobre seu corpo. Começou a perder os movimentos da perna, e se levantou do chão com esforço por conta dos músculos de repente moles.

As pessoas passavam borradas como fantasmas pelo corredor. Piscou para tentar focá-los e não adiantou.

Andou se apoiando pelas paredes até a cama de Ben. Derrubou o controle da televisão e o barulho o despertou.

— Minhoquinha? — ele perguntou com a voz rouca.

A simples menção ao apelido fez as lágrimas escorrerem por seu rosto. Amanda não queria se despedir. Queria viver. Casar com ele. Ter filhos. No que já lhe parecia uma memória muito distante, pensou que estivesse grávida. Jamais imaginou esse desfecho.
Envenenada.

Por que Ethan a queria morta?

Não havia tempo para reflexões. Apenas para dizer a seu noivo que o amava desde muito antes de ter admitido. Apenas para lhe dizer que era seu melhor amigo, e que nenhuma mulher poderia ter esperado um melhor companheiro do que ele.

Amanda sentou-se ao lado de Ben na cama, e declarou tudo o que sentia enquanto falar ainda era algo cabível dentro dos sintomas que a matava aos poucos.

Ben não a interrompeu. A encarou parecendo não compreender porque ela chorava e falava com tanta emoção. Sorriu fracamente e acariciou seu rosto:

— Eu te amo, Amanda. Vamos ficar bem. E já disse que vai se casar comigo, mesmo que seja a força.

— Amo você, Ben. — repetiu com a voz embolada, a fala se perdendo.

Amanda sofreu de um forte espasmo e perdeu o equilíbrio.

Caiu de costas no chão aos pés da cama. Seus olhos se fecharam, e nunca mais abriram.

Mais uma alma perdida antes da hora. Pela tolice dos humanos ao se envolver onde não deveriam e pelo erro do Conselho ao forjar vícios em vez de virtudes.

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Alguém chocado aí? =O
Gennnte, faltam 4 capítulos para o fim. 
Postarei os 4 seguidos amanhã. Preparem-se para fortes emoções.


O Templo - Livro 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora