Capítulo 10

756 102 42
                                    

- Tem um idiota na portaria a essa hora da manhã perguntando por você - ouço a voz da Loraine, minha colega de apartamento, ao fundo no meu sonho.

Me enrolo no lençol na tentativa de mandar aquela voz embora.

Red fez questão de ficar na pizzaria até ela fechar. Na realidade, até o gerente pedir educadamente que pagássemos a conta e nos retirássemos que eles queriam voltar para família deles, como se tivéssemos sequestrado o restaurante.

Aproveitamos o céu aberto da noite carioca para ir andando até em casa. Foi bom ficar algumas horas sem brigar com ele. Sabe, como nos velhos tempos. Nunca vou esquecer o que ele fez por mim naquele dia no baile da escola. Mas tem sido tão complicado o dia-a-dia agora que somos adultos. Não sei...

Só sei que cheguei em casa morta. Nem me dei ao trabalho de tirar a roupa suada de um dia inteiro em um evento anime, andando de trem, sendo acusada de roubo e tendo que aturar o Morgado.

-MORGADO!

Levanto da cama assustada e vou até o corredor. Loraine já está trancada no seu quarto novamente.

Não acredito que esqueci de cancelar tudo com ele. Corro até a janela da sala que é de frente para rua onde fica o portão do prédio. Tento abrí-la o mais devagar possível. Malditos prédios antigos que não deixam a gente espiar a vizinhança em paz. A porcaria fica chiando e emperra em algumas partes onde preciso fazer uma força maior. O barulho é tão alto que alguns pássaros que repousavam nas árvores próximas saem voando.

Respira fundo, Anne.

Acho melhor esperar alguns segundos para as pessoas que estão na rua esquecerem da minha existência. Só então começo a puxar a cortina. Da onde eu estou não é possível ver nada. Sou obrigada a enfiar a cabeça para fora e faço isso bem devagar, torcendo para a portaria ficar logo no meu campo de visão.

-MERDA!

Agacho debaixo da janela e tento segurar o meu coração que bate forte no meu peito. É ele. Vestido com uma calça branca e uma camiseta rosa, usando óculos de sol. Não sei como absorvi tanta informação em tão pouco tempo. Infelizmente, foi tempo suficiente para ele olhar para cima na mesma hora.

Não sei se ele realmente me viu. Não sei o que ele está fazendo na porta da minha casa. Afinal, como ele tem o meu endereço? Espero que a Ju não tenha me traído de novo. Primeiro passa o número do meu celular sem me pedir. E agora isso?! Precisamos rever nossa amizade.

O interfone começa a tocar. Ele me viu. Só pode ter visto. Aberto mais ainda a mão no meu peito em uma tentativa falha de fazer ele parar completamente.

-ANNEEEEEE!

Levo outro susto com a Loraine gritando no quarto. Para ela chegar ao ponto gritar precisa estar com muito sono e muito irritada.

-ATENDE ESSA PORRA!!

-TO INDO... - falo como se estivesse respondendo uma bronca da minha mãe. Nessas horas sinto falta dela. Sabe, ter um colo para onde correr.

- Pois não? - falo exitante no interfone.

-Anne? - tentei mudar o meu tom de voz, mas foi inútil. Ele com certeza me viu na janela.

-Quem é? - Talvez se eu der uma de dissimulada, ele vai embora.

-Para com isso! Eu vi que você me viu. Por que não atende o celular?

Não há sombra de dúvida que ele me viu. Isso me lembra que preciso sugerir na próxima reunião de condomínio a instalação de uma câmera no interfone. Isso inclusive facilitaria a vida da Dona Guilhermina que adora ficar fofocando a vida dos outros. Aliás, podíamos economizar com porteiro também. Mas coitado, acho que ele tem um família para sustentar.

Eu Escolho VocêOnde as histórias ganham vida. Descobre agora