I.III. Punhado de incertezas

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por Haruno Sakura...

Não vi a hora em que caí no sono novamente e para ser sincera, não conseguia me lembrar de boa parte dos acontecimentos da noite anterior, o que estava me incomodando bastante, visto que eu acordara naquela manhã na minha cama, com ninguém menos que Uchiha Sasuke adormecido em uma poltrona logo ao lado.

Espreguicei-me com vontade, testando a sensibilidade dos meus músculos. Sentia-me bem melhor. Sem dúvidas, incontáveis vezes melhor do que ontem. Joguei minhas pernas para fora da cama, de modo que estava sentada frente a frente com Sasuke. Mais fios de cabelo tomavam seu rosto e eu me senti horrível por ter que acordá-lo de um sono aparentemente sereno, embora eu bem soubesse que dormir em poltronas não era nada confortável.

– Sasuke-kun – chamei, com bastante paciência – Sasuke-kun?

Ele pestanejou devagar, acostumando-se com a alta claridade da manhã. Seu corpo procurou uma posição mais confortável e ereta no acento, enquanto seus olhos tentava me pôr no seu campo de visão.

– Ohayou, Sasuke-kun – saudei sem graça.

– Que horas são? – Ele quis saber, coçando os olhos.

– Não sei, mas ainda deve ser cedo. Você se importa de ir para a sala? Preciso me trocar.

– Certo, certo. – Se pôs de pé, ainda um pouco sonolento e sumiu pelo corredor.

Kami-sama! Eu estava muito apertada!

Corri para o banheiro e fiz minha higiene matinal, aproveitando cada pedacinho do alívio de estar limpa. Eu tinha dormido com os mesmos trapos velhos de moletom que escolhi para sair ontem.

– Por que você ficou? – perguntei ao seguir para a sala, encontrando Sasuke de pé, próximo a janela. Tive a sensação de que ele fitava as edificações a frente sem realmente enxergá-los.

– Como imaginei, você não lembra...

– Bom, eu sei que esteve aqui ontem à noite, conversamos e tudo, mas não precisava ter ficado se não quisesse. Cansaço e estresse são normais, até uma médica ninja precisa lidar com eles vez ou outra.

– Nos beijamos, Sakura. Você disse alguma coisa sobre doces e desabou de exaustão.

– Nós o quê?! – Quase gritei. 

Se eu não soubesse que Sasuke odiava esse tipo de coisa, diria que ele estava brincando comigo. Parecia tão apático sobre o que acabara de me dizer que eu quis socá-lo, porque, vejam bem, não é assim que se dá uma notícia dessas.

Eu a beijei ontem à noite...

Droga, havia algo pior do que a indiferença, agora ele repetira com pesar.

Dei um passo para trás, apoiando as costas na parede. Minha cabeça estava girando assustadoramente, e não se tratava de cansaço. No entanto, não era para me surpreender tanto assim. Depois de toda nossa jornada, mesmo que eu não soubesse como nomear, Sasuke e eu tínhamos desenvolvido uma fidelidade não verbalizada. Talvez, o ato de beijá-lo fosse apenas uma consequência daquilo que não precisava de descrição, mas se fosse para acontecer, que eu pelo menos me lembrasse. E agora que havia se mostrado real, eu não sabia mais como classificar.

E então havia o pesar na sua voz, como um arrependimento pelo o que tinha feito. Talvez eu estivesse entendo errado, o que provavelmente era o caso. Mas pensar daquela forma machucou o meu peito, como uma agulha impiedosa e quase fatal.

–Sakura... – ele se virou de repente, como se lesse meus pensamentos – Droga, não é isso!

Sasuke cruzou a sala com velocidade suficiente para ser visto o fazendo, mas sem delongas. Seu corpo pressionou o meu suavemente contra a madeira antes mesmo que eu pudesse respirar. Seus dedos tocavam a lateral da minha barriga, como se me guiassem a ele por magnetismo. Depois sua boca, cobrindo a minha com determinação e necessidade.

Eu deveria saber o quão intenso ele poderia se mostrar. Sasuke nunca andava no meio de dois extremos, o que quer dizer que: ou ele não demonstrava nada, ou demonstrava demais. Em parte, eu aprendi a me comportar dessa maneira em relação a ele, bem como aceitá-lo dessa maneira... Mas sempre haveria um limite de quanto se pode suportar, até mesmo para mim.

– Não... – suspirei, nos afastando.

Sasuke não insistiu, mas sua demora em dar dois passos para trás mostrou-me o quanto o fazê-lo foi difícil para ele.

– Não posso ter apenas isso, Sasuke-kun – continuei, encarando meus próprios pés. Precisava me certificar de que não choraria quando finalmente o encarasse – Não posso ter apenas um beijo, ou uma noite, ou dois míseros dias. Simplesmente não é o suficiente. Venho sobrevivendo a tudo isso por tempo demais, Sasuke, não sei se consigo lidar com mais esperas.

– E o que você quer, Sakura?

–Nós dois sabemos muito bem. A pergunta correta seria: o que você quer, Sasuke-kun? – Meu olhar elevou-se, encontrando a imparcialidade do dele. Se eu não o conhecesse tão bem, diria que aquela discussão estava o irritando, mas em algum lugar do ônix, havia angústia. – Meu coração precisa de alívio, nem mesmo sou capaz de lembrar como é sentir isso.

–Sakura...

– É triste perceber que ele virá com ou sem você por perto. Porque se meu coração se libertar, você terá me aliviado partindo dele, e creio que será de maneira irremediável. Eu, particularmente, não quero remediar.

Senti a umidade nos meus olhos e me odiei por isso. Desviei um pouco para enxugá-los. Dizer aquilo doía como um inferno no meu peito, mas verbalizar mostrou-se essencial para eu acreditar que era capaz de continuar sem ele. Amava-o com todas as forças que existiam no meu corpo e não haviam dúvidas de que eu jamais o deixaria de fazer. Contudo, minha vida não podia se dar em função da sua para sempre, especialmente quando tudo o que eu recebia em troca era um punhado de incertezas.

Tornei a procurá-lo no apartamento, mas tudo o que vi foram as costinhas agitadas da minha janela. 

Na sala, não havia mais ninguém comigo.

Afinal, era aquela a sua resposta.

Não podia culpá-lo, muito menos a mim. A culpa não era de ninguém. Simplesmente não era para acontecer então, ele não estava pronto e eu não seria mais capaz de esperar. Doía, doía pra caralho. Como se várias garras despedaçassem meu coração incansáveis vezes, dilacerando-me de dentro para fora.

Todas as fantasias infantis e bobas de um futuro minimamente perfeito rasgavam-se bem diante dos meus olhos. Lá estava minha resposta, o vazio que Sasuke deixara na minha sala era mais que o suficiente.

No entanto, apesar da dor alucinante cada vez mais presente dentro de mim, senti uma pontinha de conforto... algo bem próximo ao que meu coração tanto implorava. O alivio estava ali, paciente, esperando a dor ir embora para então me confortar.

Libertando-me.

Decisões (SasuSaku)Where stories live. Discover now