III.V. Compartilhando o pesadelo

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por Haruno Sakura...

Fiz o mesmo caminho de sempre até o hospital, mecanicamente. Ignorava com muito esforço todos os incômodos que me abordavam ao deixar o distrito mais uma vez daquela maneira: solitário e quieto, sem nenhuma única palavra. Minha mente girava de uma forma tão vaga que quase não o percebi ao me deparar com a fechadura do meu consultório girada para baixo. Seu chakra me atingiu como uma onda violenta, fazendo-me congelar com a mão na maçaneta, era incapaz de deslizar a porta. Ambos sabíamos da nossa presença e tudo o que nos separava agora era uma frágil folha de bambu talhado.

Sasuke me esperava lá dentro.

Fechei os olhos com força, respirando fundo. Não precisava de muito para saber do que se tratava.

Ele tinha se cansado do escuro... Depois de todos os meus pedidos desesperadamente silenciosos para que ele apenas ignorasse meu comportamento e me desse tempo para esquecer, Sasuke perdera a paciência.

Mas era obvio que ele queria uma explicação, não era como se não merecesse uma. 

Naquele instante pensei em amaldiçoar o nome de Ino, mas uma pequena parte minha estava aliviada que ela o tivesse contado e não eu, ainda que ninguém fosse capaz de me substituir na conversa que estávamos prestes a ter.

Odiava-me por não poder confiar nele totalmente quando aquele pesadelo me ocorreu, de não parar de tremer com as perspectiva de encará-lo com todas as inquisições da verdade estampadas em seus olhos, de querer fugir daquela conversa para o resto dos meus dias. O medo congelava cada vértebra da coluna quando minha mente pensava naquilo que eu não queria ouvir dele, mas não podia mais negar o que sentia.

Deslizei a porta. 

A iluminação da cidade circulava o corpo de Sasuke na penumbra. Ele estava de costas para mim, atrás do meu gabinete, fitava a paisagem no quadro da janela. Tornei a fechar a porta, alcançando o interruptor. Ele nem mesmo se alterou quando a luz branca iluminou seus ombros sob a grossa capa preta. Não me atrevi a dar mais nenhum passo, abraçando a pasta de estudo que trazia nos braços. 

– Por que não me contou? 

A voz dele veio mais rápido do que eu imaginara, fazendo-me saltar um pouco quanto ao susto. Vi o seu perfil encarar-me sobre os próprios ombros. Desviei os olhos para o único quadro na parede a direita: meu diploma de médica ninja. Parecia ainda pior fitá-lo, logo, só baixei os olhos, suspirando em rendição.

Todo meu escritório era uma sala de tortura. Estava tudo lá, meus méritos e habilidades, sucessos de uma carreira invejável. Uma prova constante de que eu era capaz de salvar a todos, menos a mim.

– Não quero falar sobre isso – avisei. É claro que ele não aceitaria, mas eu precisava expor uma última tentativa.

– Não é mais sobre o que você quer, é sobre o que precisa – Sasuke colocou, voltando a fitar aquela região da vila na janela.

Eu sabia, ele não era nem mesmo capaz de me olhar por inteiro. Se continuássemos a conversar, meu coração se rasgaria, e sua postura, ainda de costas para mim no seu habitual silêncio, tornava tudo ainda pior.

– O clã vai ter que esperar um pouco mais. Não há como voltar atrás. Isso é tudo – terminei por dizer, surpresa com o fato de minha voz não ter vacilado como esperei que o faria, ainda que a sentença não fosse tão grande. Talvez porque eu não estava dizendo aquilo apenas para ele...

Sasuke virou-se no segundo seguinte, suas sobrancelhas franzidas. Não estava bem o suficiente para saber se aquilo significava raiva ou confusão. De qualquer modo, preferi me conformar com a raiva. Era algo para qual vinha me preparando desde que soube da perda, embora também já soubesse que jamais estaria pronta para recebê-la. 

– Do que está falando? - questionou, pausadamente. Como se temesse a própria pergunta, ou melhor, a resposta que ela exigia – Por favor, diga-me que não é o que estou pensando...

– Sabe exatamente do que estou falando -– respondi, incapaz de lidar com sua voz. A situação toda me sufocava – Sinto muito pelos Uchihas. 

Não sei quando aconteceu, ou quanto tempo levou. Tudo o que senti foi a pressão do corpo de Sasuke contra o meu. O choque do seu abraço deixou-me estática, de olhos arregalados sobre seu ombro, enquanto sua cabeça afundava na curva do meu pescoço. O folego se foi, assim como qualquer palavra, eu era incapaz até mesmo de me mexer.

– Não me diga que se casou comigo pensando dessa maneira? – quis saber. Não sei se era impressão, mas haviam gotas de desespero na sua pergunta – Por favor, Sakura. Por favor...

Não sabia o que ele queria que eu respondesse.

Tudo o que eu sabia era que ele queria reconstruir o nome da sua família e eu estava feliz por me deixar ajudá-lo, mas uma vez que tinha o decepcionado, não era um abraço que eu estava esperando. Meu corpo, meu coração, minha cabeça, tudo começava a entrar em colapso.

Na falta de minhas reações, Sasuke se afastou um pouco, mas apenas o bastante para me encarar, colocando a única mão no meu queixo, fazendo-me olhar dentro de seus olhos. Eu o via, ao mesmo tempo que não.

– Você nunca foi apenas um item necessário de forma momentânea. Por Deus, Sakura... – ele disse – Nunca, nunca foi sobre o clã.

– Seu objetivo era reconstruí-lo – sussurrei, temerosa.

– E o fiz. Não vê isso? Se tiver que acabar com nós dois, que assim seja.

– Então por que casou-se comigo? 

Aquela pergunta o feriu perigosamente, de maneira que ele nem se esforçou para esconder a dor dos seus olhos. Arrependi-me no segundo seguinte de tê-la feito.

– Casei com você porque causa disso – respondeu, depois de um tempo, tocando minha testa com dois dedos, permanecendo com eles lá. Não mais me olhava nos olhos e sim para onde seus dedos estavam – Jamais exigirei que me der filhos, Sakura. Seu corpo é seu e de mais ninguém. Mas deixe-me ajudá-la a lidar com as crises quando elas vierem. Entenda de uma vez por todas que meu sobrenome foi a ultima coisa que me ocorreu quando decidi fazê-la minha esposa.

– Eu queria o bebê... – admiti, vacilando nas sílabas. Estava muito perto de chorar.

Toda aquela situação tinha destruído o meu raciocínio... Me levado até aquele medo e me feito sucumbir a ele.

– Sei que sim e sinto muito por não poder tê-lo... Contudo, o que estou tentado dizer é que não tem que fazê-lo apenas por mim, mas por você, como uma consequência da vida que sonhou para si mesma.

– Se você não vai me odiar por decepcioná-lo, então deixo você ficar chateado por eu pensar que o faria, mas só chateado...

Sasuke suspirou, com um meio sorriso cansado. Sua mão desceu para as maçãs do meu rosto, o polegar evitara uma primeira lágrima minha.

– Depois de tudo o que fiz com você... Não posso nunca culpá-la por ainda ter medo disso. Só é difícil lidar com o fato de que a deixei se casar comigo sem lhe esclarecer os motivos certos... Você é forte, Sakura, inteligente e incorrigivelmente irritante... A reconstrução do meu sobrenome tornou-se completa ao preceder o seu nome. Ponto.

Circulei os meus braços ao redor de sua cintura, abraçando-o como se minha vida dependesse disso.

Chorei em abandono, desculpando-me por me deixar levar por um medo tão bobo. Chorei pelo filho que perdemos enquanto seu braço cobria meus ombros mais uma vez. Chorei pela dor que tive que esconder dele por medo ao passo que seu queixo descansava sobre minha cabeça. Chorei e senti cada pedacinho daquele tormento me deixar, bobeando através de nós.

A perda ainda nos doeria, sabíamos disso. Ele não admitiria em voz alta, mas não precisava quando me abraçava daquela maneira, bem como quando esforçava-se para me explicar o quão infundada era minha angustia anterior. 

Enquanto houvesse aquele contato, que dizia muito mais do que palavras jamais seriam capazes, as coisas se resolveriam.

Eu precisava de Sasuke plenamente, assim como ele de mim.

– Temos um laço, Sakura – ele sussurrou por fim, depositando um selinho casto sobre meus cabelos.

Decisões (SasuSaku)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora