capítulo 60

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— Tomáz, você pode me ouvir? — Dulce perguntou. A resposta veio num sussurro quase inaudível, porém foi o bastante para animá-la.

— Se ele está consciente, o ferimento não deve ser assim tão grave. Infelizmente, meus conhecimentos são limitados para tratar concussões. Tenho experiência apenas com cortes e fraturas. Um machucado na cabeça está além das minhas habilidades. Não tem ninguém aqui com conhecimentos médicos?

— Giovane — Christopher respondeu.

— O caçador?

— Sim. Ele sabe como fazer parar o sangramento e evitar infecções. Quanto ao resto...

— Onde está Pascual com aquela água?

— Aqui, minha lady.

Dulce voltou as atenções para Tomáz, o marido aparentemente esquecido.

De repente, padre Reverte entrou no quarto e postou-se de joelhos junto à cama, as mãos postas, os lábios movendo-se sem cessar, desfiando preces em latim.
Christopher sentiu as esperanças renovarem.

— Padre Gabriel! — ele exclamou. — O abade do mosteiro de St. Christopher. Ele me tratou quando sofri um ferimento semelhante. Tenho certeza de que saberá o que fazer.

— O mosteiro fica a quilômetros daqui — Dulce protestou. — Levará tempo demais.

 

— Não se eu partir já, levando um cavalo veloz para padre Gabriel. Ele é um homem bom e conhece Tomáz. Não tenho dúvidas de que virá.

— Então não perca tempo. Vá.

Christopher observava ansioso padre Gabriel examinar o ferimento na cabeça de Tomáz. Dulce continuava de pé ao lado da cama, mordendo os lábios, nervosa.

Sua esposa parecia exausta e ele não podia culpá-la pela dedicação. Teria feito o mesmo, se não fosse mais importante partir em busca de padre Gabriel.

Durante a jornada, pudera analisar as emoções contraditórias que o amarguravam. Depois do acidente, ficara horrorizado com a sua própria violência e sentira-se um covarde. Tomáz sempre fora um amigo querido de muitos anos. Claro que não podia desculpá-lo pelo adultério, e a Dulce tampouco, se de fato ambos o houvessem traído. Porém, isso não justificava sua atitude. Quase matara alguém, embora de maneira acidental, sem que tivesse provas para condenar essa pessoa.

— Um trabalho muito competente — padre Gabriel comentou, observando como a área ao redor do ferimento fora limpa e desinfetada. — Nenhum sinal de infecção, embora eu deva confessar que desconheço o ungüento utilizado.

— Eu mesmo o preparei — Giovane falou, sem sair de um dos cantos do quarto. — Usei-o pela primeira vez num dos meus cães e o machucado sarou como por encanto.

 

— Mais tarde você deve me explicar como prepará-lo, quais os ingredientes necessários. — O sacerdote sorriu e virou-se para Dulce. — Trata-se de um ferimento sério, porém não há risco de vida. Ele já recobrou a consciência?

— Sim, várias vezes. E respondeu às minhas perguntas corretamente.

— Ótimo. Continue acordando-o de hora em hora, embora eu esteja confiante de que o pior já tenha passado.

— Tem mesmo certeza? — Dulce insistiu, a voz trêmula, para o desespero de Christopher.

— Sim. O ferimento não é mais grave do que aquele sofrido por seu marido, na última primavera. E como todos podemos ver, ele está inteiramente restabelecido. Claro que a recuperação levará algum tempo. Sir Tomáz não é tão forte e resistente quanto lorde de Uckerman, e precisará repousar durante vários dias. Só espero que ele atenda minhas recomendações com mais seriedade do que você o fez em circunstâncias semelhantes, sir Christopher.

— Farei com que sir Tomáz obedeça as suas recomendações, padre — Dulce assegurou. — Depois desta longa jornada, você deve estar cansado. Christopher vai levá-lo até a cozinha, onde lhe servirão um lanche, pois ainda faltam algumas horas para o jantar.

Christopher quase pediu que a esposa os acompanhasse, mas desistiu. Provavelmente ela recusaria a sugestão. Por outro lado, gostava de padre Gabriel e apreciaria passar alguns momentos na companhia do sacerdote. Depois de comer um belo prato de ensopado, acompanhado de pão fresco e cerveja, padre Gabriel fitou seu anfitrião com interesse.

— Diga-me, meu filho, aquele ferimento antigo na sua cabeça ainda o incomoda?

— De maneira alguma.

— Então, o que o preocupa? Seria assim tão óbvia a sua angústia? Christopher pensou.

Teria que se esforçar mais para disfarçar o desespero.

— Por que essa pergunta?

— Você me parece cansado. Talvez esteja aflito por causa de Tomáz...?

— Sim. Você vai passar alguns dias conosco?

— Infelizmente, não. Preciso voltar para o mosteiro amanhã. Atendi ao seu chamado apenas por causa da afeição que lhe dedico e a Tomáz também.

— Agradecemos a sua atenção. Que notícias me dá do mosteiro, padre? Por acaso Joaquim continua sendo uma pedra no seu sapato?

Padre Gabriel sorriu, bem-humorado.

— Claro que sim, meu filho, claro que sim. Realmente fiquei muito satisfeito em deixar o mosteiro sob a responsabilidade dele. Talvez essas vinte e quatro horas de poder absoluto o satisfaçam.

— Você poderia falar a esse respeito com o barão. Tenho certeza de que Léon daria um jeito de transferir padre Joaquim para outro lugar.

— Oh, não há necessidade disso. Joaquim tem também boas qualidades, embora muitas vezes permitas cegar pela ambição.

 

— Você é muito paciente com ele, muito mais do que eu seria capaz.

— Sou paciente com Joaquim porque sei que todos o homens têm seu ponto fraco. Até mesmo você, meu filho.

Christopher lançou um olhar atônito para o sacerdote.

Entretanto, padre Gabriel continuou a beber a cerveja como se nada tivesse acontecido. Após alguns mo mentos de silêncio, continuou:

— Sua esposa é uma criatura fascinante, lorde de Uckerman. — Ele riu diante do espanto do outro — Por acaso o surpreende tanto assim o fato de um homem de Deus fazer tal comentário? Sou sacerdote, mas continuo mantendo minha natureza humana. Ela não é bem o tipo de mulher que eu o imaginaria escolhendo para esposa. Suas qualidades vão além da beleza física. Confesso-lhe que fiquei muito satisfeito com sua escolha.

— A escolha não foi minha. Trata-se de um casamento arranjado, padre, com o objetivo de unir nossas famílias. Depois que Maytê decidiu casar-se com Dérick, coube a mim cumprir o trato.

— Ah. Você sacrificou a si mesmo pelo bem de sua irmã?

— Sim.

— O amor pode se revelar de muitas maneiras, porém o sacrifício destituído de egoísmo sempre me causa uma forte impressão. Você fez sua irmã muito feliz, Christopher. — Padre Gabriel diminuiu o tom da voz. — Mas e quanto à sua própria felicidade? Você não é feliz?

Christopher manteve o olhar abaixado.

 

— Claro que sou. Não quis dar impressão do contrário.

— Você deve perdoar essas minhas perguntas impertinentes. É que me preocupo, sinceramente, com a sua felicidade. Você acha que um dia será capaz de amar essa esposa que lhe foi imposta?

— O bastante para me sacrificar, para sufocar o egoísmo?

— Sim.

— Talvez — ele murmurou, os olhos fixos num ponto invisível. — Agora diga-me, que notícias você me dá do sul? Sei que os sacerdotes do mosteiro de St. Christopher's estão sempre a par de todas as novidades.

Padre Gabriel assentiu. O relacionamento entre sir Christopher de Uckerman e esposa definitivamente tornara-se um assunto encerrado.

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