A Carta

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   Haviam muitas coisas que me incomodavam

não era por estar livre que tudo em mim

seria alegria.

Ainda estava cheio de escuridão em mim.

Em alguns dias eu sentia

um peso enorme dentro de mim.

Que parecia que iria me esmagar.

Minha alma doía,

tanto quanto os meus ossos,

que não haviam cicatrizado direito

depois de terem sido quebrado

tantas vezes e tantas vezes.

Minha alma se contorcia

desfeita e despedaçada.

dentro do próprio corpo.

E visitar a família de Angelic seria como jogar sal nas minhas feridas ainda abertas.

Eles moravam numa cidade próxima de Salém.

Numa casa bonita e simples.

A presença daquela estranha moça parada

na frente da casa

chamou a atenção do chefe do lar.

Que fitou-me por alguns instantes

e logo após veio ao meu encontro.

Eu não sabia o que falar.

Senti que cada palavra por mim dita

seria em mim um faca fincada.

Ele me olhou num profundo silencio.

e soube naquele momento

que ele sabia quem eu era.

— Você e a...

A única sobrevivente de Elizabeth Bathory!

Interrompi-o

— A minha Angélica sumiu faz mais de treze anos. Eu soube que ela... o nome dela estava escrito no caderno que continha o nome das vítimas de Bathory.

— Foi assim que você soube?

Perguntei-o

Ele assentiu com a cabeça, tristemente.

— Eu sinto muito...

— Você a conheceu, digo, conviveu muito com ela?

— Sim, ela foi a pessoa mais forte que conheci na vida. Já falaram muitas coisas a respeito de mim. Para alguns eu sou forte e lutadora. Mas foi ela que me ensinou a ter força. Sem ela eu teria me tornado ... só uma casca vazia.

Nesse momento ele começou a chorar.

— Ela amava muito vocês, uma vez no cativeiro, nós os prisioneiros contamos uns aos outros

o que faríamos se estivéssemos livres,

Ela disse que, abraçaria o filhos e o marido, e diria a eles que os amava. Ela não pode te dizer isso. Mas eu sim, pude vir aqui entregar as palavras as coisas que ela queria te dizer, e que lhe foram arrancadas.

Estendi a mão para entregar-lhe a carta.

Que ele recebeu com surpresa.

E enquanto ainda segurava o envelope, sem o abrir disse:

Você quer entrar?

Eu pude ver de relance pela porta entre aberta

as crianças correndo pela casa.

Loiras e claras, como ela era.

Eu respondi-lhe que

— Não.

Não suportaria ver tudo o que ela mais amava e que lhe foi tirado. Os filhos que ela muito desejou mas que jamais chegou a ver novamente.

Antes de entrar ele ainda disse.

— Não foi justo o que aconteceu com ela, com você, com todos os que foram prisioneiros, e a condessa não ter sido condenada à morte...

Nada disso foi justo.

— A vida não é justa. Aprendi isso com tudo o que eu vi.

Respondi-lhe. E juntei as últimas forças que ainda me restavam para voltar a Salém.

E em meio a sensação de peso que eu sempre sentia, senti porem naquele dia

uma paz.

Como depois de ver o sol

depois de muitos dias de chuva.

Como se tivesse realizado algo que esperei séculos ansiando em fazer.

Finalmente libertar a voz sufocada e enterrada de Angelic.

Exílio de uma borboleta negraWhere stories live. Discover now