94° Capítulo

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"Tess.." sinto o hálito do Harry na minha bochecha.

"Vai embora." resmungo e viro para enterrar a minha cabeça no sofá.

"Tess.. por favor, não consigo dormir." ele choraminga.

Não olho para ele, não posso deixar ele me tratar desta forma. Eu sei que devia ter ido embora, mas sinceramente, para onde é que eu ia?

Ele suspira e sinto a presença dele indo embora. Pego o meu telefone e vejo as horas, é um pouco depois da meia noite, por isso tento me forçar voltar a adormecer.

"Não!!" ouço o Harry gritar do outro quarto. Salto do sofá sem pensar e corro para o quarto. Ele está entolhado no lençol fino e coberto de suor.

"Harry, acorda." digo suavemente e abano o ombro dele, movendo um caracol suado da testa dele com a minha outra mão.

Os olhos dele se abrem e estão cheios de terror.

"Está tudo bem.. shh.. foi só um pesadelo." faço o meu melhor para o acalmar. Os meus dedos brincam com o cabelo dele e depois esfregam a bochecha dele.

Ele está tremendo enquanto eu subo na cama por detrás dele e amarro os meus braços em volta da cintura dele. Sinto-o relaxar enquanto pressiono a minha cara contra a pele úmida dele.

"Por favor.. fica comigo." ele pede. Suspiro e fico calada, apertando os meus braços em volta dele.

"Obrigada." ele sussusura e em minutos ele está dormindo outra vez.

A água parece não ficar quente o suficiente para relaxar os meus músculos tensos, não interessa o quão quente coloco. Estou exausta da falta de sono que tive ontem à noite e a frustração que vem de lidar com o Harry. Ele estava dormindo quando entrei no banho e rezo que ele fique dessa forma até que eu saía para o estágio.

Infelizmente as minhas preces não são respondidas e ele está no balcão da cozinha quando saio do banheiro.

"Está linda hoje." ele diz calmamente.

Rolo os olhos e passo por ele para pegar num copo de café antes de sair.

"Então não vai falar comigo?" ele pergunta.

"Não, agora não. Tenho que ir trabalhar e não tenho energia para fazer isto com você agora." estalo.

"Mas você... veio para a cama comigo." ele faz beicinho.

"Sim, só porque estava gritando e tremendo. Isso não significa que está perdoado. Preciso de uma explicação para tudo, todos os segredos, todas as brigas, até mesmo os pesadelos, ou acabou." surpreendo ele e a mim por dizer isso.

"Tessa.. não é assim tão simples." ele resmunga e passa as mãos pelo cabelo.

"Sim, por acaso é. Confiei em você o suficiente para desistir da minha relação com a minha mãe e para vir morar com você tão cedo, devia confiar em mim para me contar o que está acontecendo."

"Não vai compreender. Eu sei que não vai." ele diz.

"Tenta."

"Eu.. não posso." ele gagueja.

"Então não posso ficar com você. Desculpa mas tenho te dado muitas oportunidades e você continua..." começo.

"Não diga isso. Não se atreva a tentar me deixar." o tom dele é zangado mas os olhos dele estão magoados.

"Então me dê algumas respostas. O que é que acha que não vou compreender? Sobre os teus pesadelos?" pergunto.

"Me diz que não vai me deixar." ele pede.

Ficar com os pés na terra com o Harry está provando ser muito mais dificil do que imaginava, especialmente quando ele parece tão magoado.

"Tenho que ir. Já estou atrasada." digo e vou para o quarto para me vestir o mais rápido que posso. Parte de mim está feliz por ele não ter me seguido para o quarto mas outra parte gostaria que ele tivesse.

Ele ainda está na cozinha, sem t-shirt, e segurando a sua xícara de café com as articulações dos dedos brancas e golpeadas quando saio.

O meu consciente está choramingando com tudo o que o Harry disse esta manhã. O que é que eu poderia não entender? Nunca iria julgar ele por algo que o faz ter pesadelos. Espero que seja sobre isso que ele estava falando, mas não consigo ignorar a sensação de que estou perdendo algo óbvio aqui.

Me sinto culpada e tensa quase o dia todo, mas a Kimberly me manda o link de um dos muitos videos engraçados do youtube para levantar o meu humor azedo. No almoço, quase me esqueço do problema em casa.

*Desculpa por tudo, por favor vem para casa depois do trabalho.* o Harry me manda uma mensagem enquanto a Kimberly e eu comemos um muffin de um cesto que alguém mandou ao Christian Vance.

"É ele?" ela pergunta.

"Sim.. enfrentei ele mas me sinto terrível por alguma razão. Eu sei que estou certa, mas devias ter visto ele esta manhã." digo.

"Boa, felizmente ele aprende a lição. Ele te disse onde estava?" ela pergunta.

"Não, esse é problema." resmungo e como outro muffin.

*Por favor, me responde Tessa. Eu te amo.* ele manda minutos depois.

"Apenas responde ao pobre rapaz." a Kimberly sorri e eu concordo com a cabeça.

*Vou estar em casa* respondo.

Porque é que é tão difícil enfrentá-lo? O Sr. Vance deixa todos ir um pouco antes das três, por isso decido parar num salão no caminho para casa e arrumar o meu cabelo e fazer a manicure para o casamento amanhã. Espero que consigamos ultrapassar isto antes do casamento, porque a última coisa que quero é levar um Harry já zangado para o casamento do seu pai.

Pelo tempo que chego em casa são quase seis horas e tenho múltiplas mensagens do Harry, o que ignorei. Quando chego à nossa porta respiro fundo para me preparar mentalmente para o que está para vir. Nós vamos acabar gritando um com o outro, o que vai levar a que um de nós vá embora, ou vamos falar sobre isto e resolver. O Harry está andando para trás e para a frente pelo chão de cimento quando entro. Os olhos dele disparam para a minha figura na porta e ele parece aliviado.

"Pensei que não vinha." ele diz e anda até mim.

"Para onde é que eu podia ir?" falo e passo por ele para ir para o meu quarto.

"Eu... bem, fiz o jantar para você." ele diz. Ele está totalmente irreconhecível agora. O cabelo dele está para baixo na sua testa, em vez de estar puxado para cima como normalmente está. Ele está usando uma blusa cinzenta com capuz e calças pretas largas de fato de treino e ele parece nervoso, preocupado e quase com medo?

"Oh.. porquê?" não consigo evitar não perguntar. Troco para calças de fato de treino e o rosto do Harry caí quando não visto a sua t-shirt, ele que claramente deixou na cômoda para mim.

"Porque sou um idiota." ele responde.

"Sim.. é." respondo e ando até à cozinha.

A refeição parece muito mais apetitosa do que pensei que seria, mesmo que não tenha certeza do que seja, algum tipo de pasta de galinha, penso.

"É galinha Florentine." ele responde aos meus pensamentos.

"Hmm."

"Não tem que.." a voz dele é baixa.

Isto é uma cena tão diferente do usual, e pela primeira vez desde que o conheci sinto que tenho o controle.

"Não, parece bom. Estou apenas surpreendida." digo e dou uma dentada. O gosto é bem melhor do que parece.

"O seu cabelo está bonito." ele me elogia. O meu pensamento viaja para a última vez que cortei o cabelo e o Harry foi o único que reparou.

"Preciso de respostas." relembro-o.

"Eu sei, e eu vou te dar." ele suspira.

Dou outra dentada para esconder a minha satisfação de mim mesmo por ter me mantido em frente dele.

"Primeiro, quero que saiba que ninguém, quero dizer mesmo, ninguém, exceto a minha mãe e o meu pai sabe isto." ele diz e toca nas cicatrizes nas suas articulações.

Concordo com a cabeça e dou outra dentada.

"Ok.. bem, aqui vai.." ele diz nervosamente antes de continuar. "Uma noite, quando tinha perto de sete anos, o meu pai estava num bar no outro lado da rua da nossa casa. Ele ia lá quase todas as noites e todo mundo o conhecia lá, por isso é que foi uma péssima ideia ele irritar alguém lá. Nessa noite, ele fez isso. Ele começou uma briga com alguns soldados que estavam tão embriagados como ele, e ele acabou quebrando uma garrafa de cerveja na cabeça de um deles."

Não faço ideia onde é que isto vai chegar, mas eu sei que não vou ficar feliz.

"Continua comendo, por favor.." ele pede e eu concordo com a cabeça e tento não olhar para ele enquanto ele continua.

"Ele saiu do bar e eles vieram até nossa casa, para ele pagar por quebrar a cara de um deles, acho. O problema foi que ele não veio para casa, ele apenas pensou que sim e a minha mãe estava dormindo no sofá, à espera do meu pai. Mais ou menos como estava ontem à noite." ele diz e os seus olhos verdes encontram os meus. "Por isso quando eles encontraram a minha mãe primeiro.." ele vaguei-a e olha para a janela.

"Harry.." sussurro e agarro a mão dele pela mesa.

"Quando ouvi ela gritando fui para baixo e tentei tirá-los dela. A camiseta dela estava rasgada e ela apenas continuava gritando comigo para eu ir embora.. ela estava tentando que eu não visse o que eles estavam lhe fazendo, mas não podia simplesmente ir. Sabe?" ele diz.

Quando ele deixa cair uma lágrima o meu coração se parte pelo rapaz de cabelo encaracolado com sete anos vendo aquelas coisas horrendas acontecendo à mãe dele. Subo para o colo dele na cadeira e coloco o meu rosto contra o seu pescoço.

"Uma longa história, tentei tirá-los mas não consegui. Quando o meu pai cambaleou pela porta, eu tinha posto uma caixa inteira de pensos por todo o corpo dela para tentar.. não sei.. consertá-la ou assim. O quão estúpido isso é?"

Olho para ele e ele carranca. "Não chore.." ele sussurra mas não consigo evitar. Nunca imaginei que os pesadelos dele fossem por causa de algo tão terrível.

"Desculpa por te ter feito contar." soluço.

"Não.. está tudo bem bebê. Por acaso foi bom contar a alguém." ele me assegura.

"Depois disso, eu apenas dormia no sofá lá em baixo para que se alguém entrasse.. eles ia me pegar primeiro. E depois os pesadelos vieram.. e eles simplesmente ficaram. Fui a alguns terapeutas quando o meu pai foi embora, mas nada parecia ajudar, até você chegar." ele me dá um sorriso fraco.

Agora que tenho mais algumas peças do quebra-cabeça que o Harry é, consigo entende-lo melhor.

"Desculpa por ter ficado fora ontem à noite, não quero ser esse homem. Não quero ser ele." ele diz e me abraça mais fortemente.

A minha opinião sobre o Ken mudou dramaticamente nos últimos cinco minutos. Eu sei que as pessoas mudam, e ele obviamente mudou, mas não consigo evitar a raiva borbulhando dentro de mim. O Harry é da forma que é por causa do seu pai, por causa da bebida, da negligência, e a terrível noite que o pai dele não estava lá para proteger a sua mulher e o seu filho. Não tive todas as respostas que queria, mas tive muito mais do que aquilo que esperava.

"Não volto a fazer isso.. eu prometo.. apenas, por favor, me diz que não vai me deixar?" ele murmura.

"Não te vou deixar." cada ponto de raiva e comando que sentia evaporou.

"Eu te amo Tessa, mais do que qualquer coisa." ele diz e limpa as minhas lágrimas.

AFTER (Tradução Português/BR)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora