Parte I

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Há muitas e muitas décadas, existiu uma menina chamada Alice. Alice Liddell.

Ela tinha de tudo — pais amorosos e ricos, todos os brinquedos que queria, uma gatinha de estimação, suas irmãs para brincar... Mas mesmo assim, Alice simplesmente não se sentia completa. Ela não queria apenas existir, como vinha fazendo. A menina queria um propósito; um propósito diferente das outras garotas e de suas irmãs — se casar, muito provavelmente com um homem mais velho, e honrar a família. Ela queria criar algo que fizesse com que fosse lembrada para sempre, algo que fosse só seu e de mais ninguém.

Então, Alice criou o País das Maravilhas. Em uma bela tarde de domingo, a garota sentiu uma urgência diferente de qualquer sensação que já havia provado. Tomava seu coração, lhe arrebatando e fazendo acelerar os batimentos; e formigava seus dedos das mãos, como se aquela coceira a obrigasse a agir. Era o País lhe chamando para criá-lo.

Decidida a fazer algo sobre isso, fugiu da presença de sua irmã Edith e munida de cadernos em branco e seus lápis de cor, passou correndo pelos adultos que jogavam cartas no extenso jardim da propriedade da família. Meteu-se dentro da toca de um coelho, toca esta que, em suas aventuras pela mata tempos antes, a garota tinha alargado até que pudesse abrigar seu corpo juvenil. Alice tinha então quinze anos. E lá dentro, durante duas semanas sem comer ou sequer beber, ela não fez outra coisa senão inventar seu mundo, um mundo que a amaria verdadeiramente e dependeria dela tanto quanto ela já dependia dele. E enquanto criava, era como se o mundo que nascia lhe desse a energia necessária para continuar. Alice não sentia fome ou sede ou sono, pois o País das Maravilhas, mesmo antes da conclusão de sua criação, já lhe supria. Ela passou dias inventando cada mísero detalhe sobre sua nova dimensão; começou pela vegetação, relevo, fauna, flora... Alice era uma menina peculiar e amava cogumelos, portanto os de seu país não haveriam de ser cogumelos comuns e sim bioluminescentes ou mesmo enormes, maiores que uma pessoa.

E por falar em pessoas, cedo ela decidiu que um país precisava de habitantes e criou, portanto, um a um. Desenhando-lhes, dando-lhes forma — e vida.

O que mais gostava era seu Chapeleiro. Ah, como o amava! E ele fora criado exatamente para amá-la de volta. Era o melhor habitante de seu país, a seu ver, não por sua índole ou caráter, e sim porque era seu favorito — alguém simples com quem jamais se casaria, se dependesse de seus dotes ou seus pais. Alice, afinal, ainda era uma menina em sua doce juventude e possuía um coração romântico. Porém, mesmo seu Chapeleiro não era perfeito. Nenhum deles era, assim como ela. Cada um era um pedacinho seu, nascido de cada pequena vontade que ela tinha ou tivera na vida. Desenhados por suas fantasias mais profundas, por seus sonhos mais intensos. E do mesmo modo como havia os bons; como a Rainha que seria sua amiga, mas não mandaria nela; havia também os maus — criminosos que ela enfrentaria em suas aventuras junto do Chapeleiro que a protegeria. E havia, claro, os que se encaixavam no meio-termo. Seu Gato de Cheshire, por exemplo, ficava exatamente na metade: ele era ambíguo. Nem bom, nem mau... Tanto bom, quanto mau.

Dias depois, quando terminou sua criação, escondeu-a dentro da toca e resolveu voltar para sua família, que praticamente já dava a garota como morta. Por causa disso, por muito tempo seus pais resolveram prendê-la; e no entanto, ela nunca se esqueceu de seu País, que esperava por ela. Apenas anos depois pôde voltar àquela mesma toca e qual não foi sua surpresa ao ver que os cadernos não estavam lá! Foi procurando por eles que acabou entrando cada vez mais na toca do coelho, até que pisou em um buraco.

E caiu...

Caiu...

Caiu.

No fim da queda, encontrou nada menos que seu mundo, seu querido País das Maravilhas. O mundo que dependia dela. Portanto, Alice resolveu que ficaria lá para sempre. E naquele mundo a garota realmente permaneceu, até que o último sopro de vida escapasse de seus pulmões.

Entretanto, após sua morte... o País continuou precisando de uma Alice.

 o País continuou precisando de uma Alice

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Eu Sou Alice • {yoonseok}Where stories live. Discover now