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My brain is scattered
You can be Alice
I'll be the Mad Hatter.

Pensem numa vida vazia: uma existência sem sentido, sem propósito.

A distância de doze andares até o chão é suficiente para morrer e Min Yoongi deseja que tudo acabe logo a partir do momento em que der seu último passo.

É madrugada e está escuro, porém logo o sol aparecerá para fazer a manhã. Yoongi se equilibra na sacada de seu apartamento detonado, mora num prédio que já deveria ter sido demolido há alguns anos. A tinta tem sumido com o tempo, o reboco das paredes está descascando e é possível, inclusive, ver os tijolos em alguns lugares na construção. A sacada de seu apartamento não tem mais grades de segurança, apenas uma mureta de revestimento quebradiço onde agora se apoia, suas coxas em contato com o concreto e as mãos ao lado ajudando a manter o equilíbrio. Ele encara fixamente o completo escuro lá embaixo; porque ali na zona periférica, o bairro no qual vive não possui uma iluminação decente, praticamente abandonado pela prefeitura.

O rapaz de curtos cabelos loiros e estatura mediana não é ninguém: ninguém que fez ou vá fazer algo de sua vida, ninguém que faça diferença no mundo, ninguém que seja importante para alguém. Yoongi apenas respira, seu coração bate, mas não pode dizer que vive, porque isso o que faz todos os dias definitivamente não é viver. Sobreviver, talvez. Yoongi está morto há vários anos, desde que tudo começou a ruir dentro dele. E o pior é que ele não consegue entender como foi que teve início, ou quando; só que um dia acordou e percebeu que não via mais prazer na vida. Não via mais prazer nas coisas que gostava, nem mesmo sob uso de alguns poucos entorpecentes que experimentou, e não conseguia mais se forçar a fazer seus deveres. Até coisas simples e básicas de cuidado pessoal, como higiene e alimentação, são feitas por ele com certa dificuldade e má vontade; isso quando ele as faz, de fato.

Seus pais provavelmente não ligarão muito. Entenderão, de qualquer forma; não será uma dor tão grande para eles, mesmo porque já faz certo tempo que o jovem cortou as próprias raízes à força, afastando-se o mais bruscamente que pôde. Fugiu para o mundo, ignorando tudo aquilo que o criara na tentativa de livrar-se de várias culpas e sentimentos ruins. Não pode dizer que funcionou, principalmente agora que está sem emprego de novo e finalmente fazendo uso do dinheiro dos pais. Mora sozinho e longe da família porque, bem, sempre teve problemas com eles — principalmente seu pai e aquele olhar de decepção que como ninguém ele sabia lançar para o loiro. Também não é como se seus pais fizessem real questão de serem presentes em sua vida atual. Mesmo antes de se mudar, já vivia repetindo para si mesmo: parente só serve pra encher o saco.

E quanto à faculdade, que por algum motivo desconhecido ele ainda não largou, não gosta mais do curso de Literatura que faz — e se questiona se algum dia realmente gostou. Parece muito longínqua a época em que ele ainda sentia deleite em estudar seus autores ou obras preferidos, avaliá-los e escrever críticas — só para constar, ele não servia para aquilo. Sempre foi um péssimo crítico literário e isso se via na forma como devorava livros a rodo — claro, quando conseguia sentir prazer em ler — e no final, não havia um único detalhe que mudaria ou mesmo uma história que não tivesse gostado.

Yoongi não conhece ninguém por ali onde mora ou mesmo na universidade — além dos professores que, por obrigação, deve ao menos saber os nomes. Não anda com ninguém em seu tempo livre, não possui nenhuma companhia para desabafar ou sequer para trocar calor humano. E se questiona todos os dias se ainda é capaz de sentir algo por alguém. Se ainda é capaz de... sentir.

Min Yoongi só quer um propósito, uma razão para continuar existindo. E tanto ele quer que pediu, pediu, pediu. Não para Deus, ele não sabe ao certo se acredita em algum deus e de qualquer forma, se Deus existe, o único filho dos Min definitivamente não está entre seus preferidos, então por que deveria importuná-lo com suas lamentações? Pediu para alguém, qualquer coisa, qualquer um. Não encontrou. E ele se julga covarde demais, porque precisou beber bastante para conseguir estar ali, assim. Bastante mesmo, pois Yoongi — como todo bom veterano — é deveras resistente ao álcool e apenas algumas doses não seriam suficiente para embebedá-lo; portanto, há uma garrafa de vinho tinto seco e algumas latinhas de cerveja jogadas no chão da sala, vazando o resto do líquido e sujando o carpete. Não que faça diferença alguma, porque seu carpete já está podre há tempos.

Eu Sou Alice • {yoonseok}Where stories live. Discover now