Constrangimento

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"Isso não pode ser verdade" - pensei.

– Só pode ser brincadeira!

Acredito que falei alto demais, pois logo ouvi.

- Está tudo bem? Você precisa de ajuda com alguma coisa?

- Não. Está tudo bem.

Comecei a me despir e logo notei um hematoma roxo na barriga bem como um pequeno corte na coxa esquerda, nada demais, mas ainda assim estava lá.

- O que será que é isso? Não me lembro de como consegui.

Entrei no chuveiro, a água estava excelente, nem quente demais nem fria demais, temperatura ideal. Quando acabei, abri a porta, lentamente, para ver se ele não estava no quarto. Ao constatar que estava sozinha, saí do banheiro enrolada na toalha, e quando cheguei próxima à cama, notei algumas peças de roupa, muito bem dobradas em cima da mesma. Era uma calça de abrigo cinza e um moletom de capuz laranja bem fofinho. Imaginei como aquela combinação de roupa ficaria nele e então concluí: "É a cara dele".

Assim que desdobrei e passei pela cabeça notei um cheiro mais do que agradável. 

"Deve ser o perfume dele". 

Aquele cheiro me encantou, me fazendo amar. Era um perfume muito bom, muito masculino, um toque refrescante, cítrico, talvez, mas meio amadeirado no final, não chegava a ser forte muito menos enjoativo.

Enquanto terminava de me vestir, olhei pela janela e vi que já estava escuro, resolvi sair do quarto e, ao abrir, a porta dei de cara com ele. Voltei um pouco, pois me assustei.

- Que susto!

- Desculpe-me não foi minha intenção. - Boo parecia realmente envergonhado.

- Tudo bem.

- Eu só vim ver se você tinha conseguido terminar o banho.

- Consegui sim, já estou me sentindo bem melhor.

- Que bom. Vejo que minhas roupas serviram em você.

- É, mas a calça ficou um pouco grande – disse olhando para baixo - Então tive que dobrá-la, mas nada demais.

- Ficou muito bem em você.

- Obrigada.

Nesse momento notei que ele não tirava os olhos de mim. Fiquei envergonhada e acredito que ele notou, pois então mudou de assunto.

- Venha, vamos descer.

Ele me deu espaço para sair e me acompanhou até a sala. Estava bem quente lá.

- Puxa aqui está quente!

- Achei que você gostaria de se aquecer depois do frio que passou lá fora naquela noite. - Ele falou como se não entendesse o que acabei de dizer.

Fiquei um pouco constrangida pelo meu comentário, que acredito foi em má hora, devia mesmo estar péssima naquela noite, afinal de contas a cidade onde moro é muito fria, mas eu realmente não sou o tipo de pessoa que sente frio fácil. Desde que me lembro o frio nunca foi um problema para mim, na verdade, eu até gosto dele. E para ser sincera, estava quase suando pelo calor da lareira e percebi que ele também estava quase.

- Obrigada pela preocupação. – disse não querendo parecer ingrata pela preocupação e hospitalidade.

- Mas sente aqui. – disse apontando o sofá mais próximo do fogo. – Acredito que você se sentirá bem melhor se se mantiver aquecida.

Eu sentei e ele sorriu para mim. Parecia muito atencioso para alguém que acabei de conhecer. Assim que ele se afastou, tratei de me distanciar um pouco da lareira, o calor que eu vinha sentido, havia aumentado, porém não fui muito longe para que ele não percebesse meu desconforto e para não fazer uma desfeita com tamanho cuidado da parte dele.

- Obrigada, mas... Por que você está me tratando tão bem? Quero dizer, por que se preocupar com alguém que não conhece?

- Bom, eu salvei sua vida. Acredito que uma moça tão meiga quanto você não irá tentar me fazer mal não é?

Ele sorriu de novo se encaminhando para a cozinha. E eu corei. Não sei por que, mas ele parecia estar bem à vontade comigo ali.

- É claro que não. Eu mal consigo ficar em pé por muito tempo. Mas falando nisso, você tinha dito que não podia chamar a ambulância? Por que motivo?

- Bem... - ele começou a lavar a louça, mas então parou, olhou para mim e apontou para fora com a cabeça. – Você viu como está o tempo lá fora? Como acha que uma ambulância chegaria aqui?

- É tem razão.

Nesse momento me dei conta de que se estávamos mesmo na floresta de Village Wolf, mesmo que o tempo estivesse bom, nenhum ser humano racional entraria lá, por conta dos boatos acerca dessa parte da cidade. Eu já estava começando a me arrepender de ter ido parar ali. Boo não parecia ser má pessoa, mas ainda assim eu estava um pouco desconfiada. Todos os habitantes da cidade sabiam que não deveriam ir para aquele lado e ainda assim eu não dei ouvidos aos avisos. Ainda receosa resolvi retomar a conversa para não parecer indiferente.

- Mas como sabia como me salvar?

- Eu não sabia. Mas para sua sorte – ele já havia voltado a prestar atenção aos pratos que lavava – a mãe do meu amigo é enfermeira e sabia o que fazer.

- Ela veio aqui?

- Na verdade, não. Ela não conseguiu. Mas me passou direitinho todas as instruções pelo telefone e acredito que fui muito eficiente já que agora você está aqui conversando comigo.

Eu comecei a rir depois que ele falou isso.

- Por que está rindo?

- É que não sabia que você era convencido.

Ele permaneceu quieto depois que eu fiz esse comentário. Ficamos em um silêncio constrangedor por alguns momentos. Nós nem nos conhecíamos direito e eu já estava fazendo essas suposições. Resolvi quebrar o silêncio, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele secou suas mãos e passou por mim, subindo as escadas, voltando logo em seguida.

- Eu havia me esquecido de te dar isto.

Ele colocou uma sacola em cima da mesinha de centro.

- O que é isso?

- Eu pedi para o meu amigo comprar isso para mim, ou melhor, para você. A mãe dele receitou algumas vitaminas, mas eu não podia deixá-la sozinha, então ele fez esse favor para mim. A receita está dentro de como você deve tomá-las.

- Obrigada. Você e seu amigo são muito gentis. Quando o vir agradeça-o por mim.

- Tudo bem. Pode deixar. Vou começar o jantar se você quiser pode ligar a TV enquanto eu estou ocupado, apenas para se distrair.

Eu fiz o que ele falou. Enquanto cozinhava eu entretive-me com a TV e só percebi que ele havia terminado quando o cheiro de frango invadiu a casa. Nós jantamos em silêncio e depois, enquanto ele esperava a última lenha queimar na lareira, eu subi para o quarto para tentar dormir um pouco.

Filhos da Escuridão ↬ Boo SeungkwanWhere stories live. Discover now