Capítulo 3 - Vou Fingir Que Acredito

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"Meu jogo de adivinhação é forte, real demais para estar errado"
Perfect Illusion - Lady Gaga

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Não, eu não contei a ele o que tinha visto naquele dia, nem no dia seguinte, nem no outro. Ficamos 1 semana sem nos ver, pois era época de movimento no trabalho dele, e ele estava saindo muito tarde de lá fazendo hora extra.

Nos falávamos por telefone, e chamadas de vídeo no Whatsapp, e eu tentando não dar a deixa, nem fazer perguntas antes do tempo. Eu queria falar, mas era pessoalmente.

Até que na semana seguinte, eu marquei com ele de irmos novamente para os Armazéns do Porto lá no Marco Zero, dessa vez, iríamos à um dos lugares que ficamos em dúvida da última vez que fomos, e acabamos optando pelo yakisoba.

•••

O nome do lugar era Seu Boteco.
Era sim um boteco, e bem agradável, ficava logo no primeiro armazém, e dava vista para o Parque Brennand.

Sentamos numa das mesas do lado externo e escolhemos o jantar. Eu estava pronto para fazer qualquer pergunta somente após a refeição, não queria ter o desprazer de ficar com o estômago embrulhado novamente antes de comer, embora já estivesse nervoso.

Conversamos sobre assuntos variados e do dia-a-dia durante o jantar, e quando terminamos, lhe dei a oportunidade de descansar a refeição por alguns minutos, antes de começar a interrogação.

- Adriel, eu tenho uma coisa pra te perguntar já faz alguns dias.

- Ué, pode perguntar, tô aqui pra responder - falou animado.

- Que bom! Então me responde, qual a causa, motivo ou razão, de você ter o Grindr instalado no seu celular?

•••

Silêncio. Ele ficou sem resposta por exatamente 15 segundos, sim, eu contei. E apenas esses 15 segundos foram suficientes, para eu imaginar que tipo de mentira ele estaria pretendendo me contar. Ele respirou fundo antes de responder.

- Antes de te falar o porquê. Me diz, onde foi que você viu isso?

- Vi no seu celular, lá na livraria quando estávamos filmando o vídeo. A tela estava quase bloqueando, dei um toque, ele foi para a tela inicial. Foi quando eu vi o aplicativo listado no menu - as palavras saíram como se fosse o vômito do que eu tinha acabado de comer - O que te dá motivo para estar naquele app, Adriel?

Ele continuou olhando pra mim, e eu só me perguntava se naquele momento, ele estava pensando em virar vapor, ou sumir para um universo paralelo, não dava mais pra esconder.

- Eu estava procurando um conhecido.

Nossa, eu poderia fingir surpresa, mas aquilo não me surpreendeu. Foi 1 semana até eu perguntar aquilo, então eu já havia imaginado que ele poderia vir com esse papo.

- Sério que esse é o motivo? O que você tem com isso? - perguntei.

- Eu ando desconfiado de um conhecido meu, amigo de trabalho, então eu baixei esse aplicativo pra ver se ele estava lá.

- E estava?

- Não! Pelo menos, não o achei lá.

- Tá, mas tipo. Você sabe que de toda forma, mesmo ele que ele esteja usando, não dá pra saber exatamente, pois ele pode muito bem não estar mostrando o rosto lá, né isso?

- É, eu sei. Por isso já havia parado de procurar.

- E ainda assim você mantém o app instalado?

- Não, não tá mais instado aqui, quer ver?

- Não preciso. De toda forma você pode ter desinstalado essa semana, ontem, ou hoje.

- Bem, eu já expliquei o que houve e qual o meu motivo, não precisamos discutir, eu não uso aquele aplicativo.

- Aham, sei - eu o observava de cima a baixo, estudando-o, vendo até onde ele iria.

- Ainda assim, fico curioso sabe Adriel.

- Com o quê?

- Me pergunto o que muda na sua vida saber se o seu amigo está lá.
Você iria gostar se fizessem o mesmo com você? Logo você que faz de tudo pra ficar no sigilo. Se sentiria bem sabendo que estão investigando sua vida?

- Bruno, olha, eu posso ter cometido um erro tá, não vai se repetir. Só queria saber se eu estava certo sobre ele, apenas isso.

- Ah tá, olha Adriel eu vou fingir que acredito nessa história, beleza?

- Não precisa fingir, se não acredita você tem todo o direito, não tô pedindo pra você fingir.

Naquele momento eu me senti sem saída. Foi aí que o meu primeiro sinal de fraqueza veio à tona, e eu simplesmente me rendi, para não inflamar mais aquilo.

- Tá, vamos esquecer isso - falei - O importante é que você não instale mais isso no seu celular, nem precise investigar a vida alheia, isso é chato.

- Sim eu sei - ele segurou as minhas mãos com a dele na mesa - Não vai mais se repetir, eu juro.

- Nesse exato momento pode ter alguém à espreita, em algum lugar por aqui, tirando uma foto nossa juntos, e aí?

- Não estamos fazendo nada de mais aqui.

- Mas já teve outros momentos em que estávamos, e se existe alguém seguindo nossos passos já pode muito bem ter encaixado as peças. Portanto, melhor ficar quieto e deixar a vida dos outros. Não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você.

Me senti até um pouco superior logo que falei isso, e ele ouviu quieto, sem hesitar.

•••

Conversamos um pouco, e em seguida, ele pediu a conta e nós demos uma caminhada pelo Marco Zero assim que saímos.
A noite foi um pouco morna até voltarmos pra casa. Baixou um clima ruim que eu até tentei mudar, mas compreendia que ele estava envergonhado com a situação. Santa ingenuidade a minha.

Nada a Esconder [Concluído]Where stories live. Discover now