Capítulo 23 - ...Mata a Alma e a Envenena!

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"Arrisque-se e pule, as asas irão crescer, enquanto você cai"
Growing Wings - Lara Fabian

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Marcamos uma nova viagem para Garanhuns no feriado de Carnaval daquele ano, que seria nos primeiros dias de março.

Ele estaria de folga e eu entraria de férias naquele mês, então pegamos o final de semana até a terça. Falando assim, até parece que tudo estava às mil maravilhas e que tudo que passou ficou no passado. Mas não, pelo contrário, estava muito presente, e eu pude perceber isso dois dias antes daquela viagem.

Com o Grindr instalado novamente no celular, e eu estava de conversa com uns caras a poucos dias. Depois da última conversa que tive com Adriel no shopping, ficamos algumas semanas nos sentindo purificados de toda aquela toxicidade. Mas, a quem eu estava enganando?

Eu entrei novamente no app e fui procurá-lo, dessa vez não vi nenhum perfil com as características dele, e pareceu-me que realmente ele tinha desativado a conta.

Mas eu continuei no app, e faltando três dias para a viagem eu marquei com um cara. Foi tudo no automático, a conversa fluía como água, e quando dei por mim eu tinha topado me encontrar com ele no dia seguinte pela manhã.

•••

Ele morava a alguns quarteirões de mim, e dava pra fazer uma boa caminhada até a casa dele e unir o útil ao agradável.

Tinha 35 anos, e morava num conjunto residencial de classe média em Jaboatão, barba bem aparada, corpo atlético de academia. Foi sincero ao me cumprimentar quando falou o próprio nome, Eduardo, de toda forma eu saberia pelo quadro enorme na sala, expondo a foto dele com o nome completo e logo abaixo uma condecoração por alguma coisa.

Me deixou bastante à vontade, e disse que não tinha pressa pra nada. Bem, mas eu tinha e não queria me envolver muito. Então esperei uns 3 minutinhos na poltrona até o suor da caminhada passar, fui para o sofá e me deitei ao lado dele.

Tudo aconteceu naturalmente, e diferente do trauma que eu tive com o tal do Fernandes na última vez, Eduardo foi bastante cuidadoso e educado, e fez um ótimo trabalho. Quando nos vestimos, ele pareceu um pouco cabisbaixo.

- O que foi Eduardo?

- Nada não boy.

- É que você mudou o semblante de repente, ficou pensativo, o que foi?

- Eu sou casado.

Puta que pariu, eu mereço. Tive que engolir aquilo em seco, mas ainda assim perguntei.

- E ela sabe de você?

- Não, só faço no sigilo

- Ah - era típico, mas não sou ninguém pra julgar - Isso te fez mal né? Tipo, eu sou o primeiro, o segundo? Desde quando você faz isso com ela?

- Eu perdi as contas.

•••

Eu senti mais pena do que preocupação naquele momento, pena por ele, e preocupação por mim. Na minha cabeça eu estava contribuindo para o afastamento iminente de duas pessoas, eu disse a mim mesmo que não me envolveria com caras casados, mas o que eu poderia fazer se o cara mente pra mim e só me conta depois que a gente fode?

- Eu sou psicólogo - ele falou - E acho que tô precisando de um, mais do que ninguém. Ouço os dilemas dos outros, aconselho pessoas em seus problemas, mas não consigo sequer resolver os meus. Eu não tenho coragem de deixá-la, eu a amo, mas também sei que isso nunca vai parar, já tentei.

Eu pude ver um pouco de mim naquelas palavras. Não ter coragem de deixar, mas não conseguir parar.

- Olha, Eduardo. Acho que você precisa ser sincero com ela - eu estava falando pra ele, o que também servia pra mim - Vai chegar o momento que isso vai se tornar insustentável, você tem que saber se realmente quer continuar com ela, casar, construir uma família. Ou se você quer ser livre, para se relacionar com quem quiser, para fazer o que bem entender.

- Eu sei rapaz. Mas acontece que é difícil.

Ironicamente, a TV dele estava ligada no Encontro com Fátima Bernardes, e o assunto que eles estavam conversando eram sobre relacionamentos conturbados.

Ficamos em silêncio por um momento assistindo, até que Alcione, que era a cantora convidada daquele dia, começou a cantar uma música, e ele ficou cantarolando.

- Ela é maravilhosa né? - perguntou.

- É sim - respondi.

- E você também é.

Naquele momento fiquei enrubescido. Aceitei o elogio, eu o olhei e ele olhou de volta, me olhando com certa curiosidade.

- Você vai conseguir ser feliz Eduardo.

- Será?

- Tenho certeza, e torço por isso.

Ele abriu um pequeno sorriso e ficou olhando a Alcione cantar. Já tinha se passado uma hora e meia desde que eu havia chegado, mas nem percebi.

- Quer um pedaço de bolo?

A pergunta me pegou de surpresa pois eu sabia que não deveria aceitar, afinal, ainda era um estranho pra mim.

- Quero sim

- Eu percebi seu olhar de preocupação, mas pode ficar relaxado rapaz, vou trazer o bolo inteiro e vou partir aqui. E também vou comer junto.

- Fico aliviado

- Rsrsrs, peraí rapidinho

Ele foi muito gentil em fazer isso, e me passou certa confiança. Eu também havia notado, que ele não me tratou pelo nome falso que eu criei no Grindr desde que cheguei, o tempo todo foi "boy", "garoto", "rapaz", acho que por eu ter cara de garoto mesmo, além da diferença de idade.

- Bem aqui está - ele vinha trazendo um prato com meio bolo de chocolate feito numa forma redonda, e uma jarra com suco de maracujá.

Ele partiu o bolo, e comeu um pedaço, e também bebeu o suco primeiro.

- Tem muita gente ruim nesse mundo rapaz, tenha muito cuidado com esse app.

- Terei sim, pode deixar.

•••

Nós comemos enquanto continuamos assistindo o programa da Fátima. E depois ele me mostrou o álbum de fotos da família dele, e também me falou mais algumas coisas sobre ele, sobre seu relacionamento, e sobre a viagem que ele faria para São Paulo dali a duas semanas com uma proposta muito boa de emprego.

Acabei falando também sobre o meu relacionamento, e contando tudo a ele, que ouviu atentamente cada palavra. O tempo passou e já eram 12:30, eu tinha passado quatro horas e meia lá.

- Tenho que ir Eduardo.

- Ah, que pena rapaz, a conversa estava ótima. Mas tudo bem, foi muito bom te conhecer, saiba disso.

- Também digo o mesmo, foi muito diferente de outras vezes. Você é muito gentil.

- Eu quem agradeço por ter vindo.

Ele me acompanhou e nos despedimos com um aperto de mãos.

•••

Confesso que fui embora pensando em Eduardo, nome no qual eu nem sabia se era realmente o dele, mas pra mim ele sempre foi Eduardo, do mesmo modo que pra ele eu sempre fui o "rapaz".

Eu não me apeguei, tampouco me apaixonei, isso seria inviável para ambas as partes. Eu nunca mais o vi, mas espero que ele tenha tido uma boa viagem, e realizado seus objetivos.

Naquele dia, eu cheguei em casa e dormi a tarde inteira, não me importei nem um pouco em mandar mensagem alguma para Adriel, só mandei a noite quando ele chegou em casa e tinha uma notificação dele, só que lá no fundo, eu não me importava mais.

Nada a Esconder [Concluído]Where stories live. Discover now