XXIV.

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Apenas calor
humano, claro
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Lembro de apenas duas coisas antes de acordar em uma caverna úmida e fria: o toque da água gelada sobre minha pele, e a voz baixa do Garoto em Chamas sussurrando que tudo ficaria bem.

Meu corpo deu um pulo no lugar, como quem acaba de ter um pesadelo e acorda sobressaltada. A primeira coisa a qual reparei fora o lugar estranho em que estávamos, o que, considerando os últimos dias não era nada incomum — visitamos o Palácio do Papai-Noel, dormimos em bueiros, entramos na loja da Bruxa Má, casas feitas com ouro, entre outras loucuras inimagináveis.

Embora estivesse quase me fundindo com Piper de tão próximas e tendo dois cobertores grossos nos cobrindo, ainda sim me sentia o próprio protagonista do Titanic — aquele idiota que morreu congelado no mar, mesmo a maldita porta tendo espaço para o casalzinho fazer uma festa de arromba. A nossa frente, o Maluco do Martelo estava atiçando uma fogueira, o corpo também coberto por uma manta, enquanto Jason explicava para a Bonitinha — agora nem tão bonitinha com os lábios roxos e toda desgrenhada — nossa situação.

Deuses, não quero nem ver o show de horrores que deve estar minha cara nesse momento.

— Vocês estão bem agora. — Disse Dory, embora “bem” não seja o adjetivo mais indicado para demonstrar nossa situação. “Na merda” seria bem mais válido.

Então, os dois garotos explicaram como fizeram nós duas voltarmos ao normal, algo envolvendo nos enfiar dentro de um rio semi-congelado. Isso explicava o frio infernal que me fazia tremer até os ossos. O treinador — ainda me olhando como se eu fosse a mancha na sua camiseta favorita — praticamente enfiou uma mistura de cogumelos e gatorade nas nossas goelas abaixo, dizendo ter quase certeza que aquilo faria melhorar. Ou talvez acabasse nos matando no processo.

Enfim, o que é um peido pra quem já tá enfiado na merda? Aí, aí, eu sou patética.

Voltando ao assunto… após uma versão fantasiosa contada por Hedge de como a versão menos musculosa e sem martelo do Thor derrotou Midas, o Filhote de Trovão mandou o sátiro pastar — literalmente — e explicou a real história.

Algo sobre invocar raios e deixar a chuva entrar na casa brilhante do Otário Dourado.

— Pareço tão mal? — Tive de conter a língua antes de soltar um sonoro “sim”, a garota realmente parecia ter acabado se ser atropelada por um caminhão.

— Não… — Rebateu ele, numa mentira muito deslavada.

Talvez eu devesse prestar atenção em outras coisas senão a interação do casalzinho, juro que cogitei a ideia de virar a cabeça para o lado e observar o Valdez agachado frente à fogueira — aliás, a bunda dele fica ótima naquela calça apertada, ainda mais na posição atual —, mas… perder a novela mexicana passando ao vivo bem no meu lado? Rá! Nunquinha!

— Você é um péssimo mentiroso. — Resmungou ela, e eu tive de concordar. — Onde estamos?

A última pergunta, diferente da outra, foi dita em voz alta o suficiente para todos escutarem. Como a boa sonsa que sou, fingi não estar prestando atenção na conversa deles, virando a cabeça e estampando a expressão mais neutra que consegui.

— Pikes Peak — Fiz os cálculos mentais, lembrando de onde exatamente o lugar ficava. — Colorado.

Assobiei baixinho antes de dizer:

— São mais de mil quilômetros. — Ele concordou, movendo a cabeça para cima e para baixo.

O trio bibbidi-bobbidi e boo continuaram falando, mas um zunido nos meus ouvidos me impediu de prestar a devida atenção. Aquele alarmezinho irritante, o mesmo que indicava perigo, soava repetidamente como um despertador soando as seis da manhã.

𝐓𝐇𝐄 𝐄𝐈𝐆𝐇𝐓𝐇 𝐂𝐀𝐍𝐃𝐋𝐄 ▪ LEO VALDEZOnde as histórias ganham vida. Descobre agora