XXXI.

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Filha do padeiro
da esquina
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“Motorista, toca pro inferno.”

Não lembro exatamente onde ouvi essa frase. Talvez fosse uma das novelas estrangeiras que papai gostava de assistir. Talvez vovó tivesse dito alguma vez, ou eu mesma esteja em um estado mental calamitoso o suficiente para imaginar isso.

Sinceramente? Não importa. O que importa é saber o quanto essa frase define a nossa infeliz situação.

Conseguimos chegar até pouco mais da metade da montanha no carro, quando paramos no posto vazio da guarda florestal e vimos a corrente impedindo a passagem de automóveis. Então, nos despedimos de vovó e das músicas pop chiclete e fomos terminar o caminho andando.

Bom, não sem vovó me dar um último conselho, dito no perfeito alemão e entendido apenas por mim:

"— Você é uma Eisen, garota. Não importa se é filha de Ares, Bernard ou do padeiro da esquina, ainda tem sangue Eisen. — ela continuou, alheia aos olhares indagadores dos quatro, que não conseguiam entender bulhufas da conversa. — Então, vai subir essa montanha, socar a cara de qualquer desgraçado que se colocar no seu caminho e vai mostrar como nós resolvemos as coisas, entendeu?

— Mais claro que isso impossível, vovó. — respondi, também na língua materna da velha. — Vamos mostrar a Gaia em que buraco ela se meteu.

O sorriso dela era tão maldoso quanto possível.

Olhando uma última vez para o topo da montanha, ela tirou a corrente de ouro fina que envolvia o pescoço e passou pela minha cabeça, fechando-o em mim antes de explicar:

— Eu ganhei da minha mãe quando tinha a sua idade, e pretendia passar para Astória antes. Mas você precisa dele agora. — Peguei o pingente pequeno, com uma pedra azul esverdeado em forma de gota, nunca havia visto vovó sem ele em todos esses anos. — Agora sai do carro. Anda, anda! Vocês não tem o dia inteiro e essa coisa começa a ficar sentimental demais pro meu gosto.

Concordei, rindo enquanto segurava o chicote nas mãos, o escudo firmemente amarrado nas costas, e saia do carro. Tinhamos subido quase dez metros na estrada que nos sugava como areia movediça — Maldita Gaia! —, quando vovó pôs a cabeça para fora da janela e gritou, ainda em alemão:

— Eu amo você, garota! — e, mudando para o inglês para todos os outros também entenderem: — Matem esse bendito gigante, ou caço vocês no inferno e os mato eu mesma!"

Era a cara dela fazer isso. Conselhos, palavras amorosas e depois ameaças.

Agora tinha chegado a hora em que tudo daria muito certo, ou terrivelmente errado. Não havia maneiras disso ser um meio-termo. Afundariamos em merda ou… bem, sairiamos vivos, o que é uma coisa muito significativa para nós nesse momento. Com o pai da Bonitinha, obviamente. E, por esse motivo, estavamos os cinco agachados atrás de alguma máquina abandonada no topo dessa montanha infernal, bolando algum tipo de plano para termos a mínima chance de sobrevivermos.

Hedge sussurrava o plano, incrivelmente parecia bom. Bom o suficiente para nós. Bom o suficiente para que o pai de Piper tivesse chances de sair vivo.

Por um momento, enquanto observava o astro de cinema numa situação nada boa, não consegui evitar imaginar como seria se fosse o meu pai ali. Tive de chacoalhar a cabeça, as duas tranças embutidas — mamãe fez questão de trançar meu cabelo durante o café, como sempre fazia amtes das competições de ginástica — acompanhando o movimento. Bernard estava bem, e, egoísta ou não, eu agradecia por não ser ele ali.

𝐓𝐇𝐄 𝐄𝐈𝐆𝐇𝐓𝐇 𝐂𝐀𝐍𝐃𝐋𝐄 ▪ LEO VALDEZOnde as histórias ganham vida. Descobre agora