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 Dra. Ana Caetano Point of View

     O Sol se punha e formava um jogo de cores incrível no céu, mas mais incrível do que o céu, estava o sanduíche de frango que eu devorava na lanchonete do hospital, aquele tinha sido o único momento do dia em que a folga pairou sobre mim. Entretanto, tudo foi por água abaixo quando uma chamada urgente apareceu em meu celular e eu precisei abrir mão do meu sanduíche para ir atender mais um paciente.

      Dei uma última mordida e saí correndo dali, quando cheguei à emergência, não pude ver cena mais comovente: as portas se abriam e entrava uma maca empurrada por três paramédicos do SAMU, sobre ela, uma noiva montada em cima do suposto paciente, com suas mãos cruzadas sobre o peito dele, fazendo massagem cardíaca.

       O rapaz de smocking respirava com a ajuda de uma máscara de oxigênio:

       ㅡ Quantas RCP você já fez?ㅡ indaguei os acompanhando até a sala híbrida.

       ㅡ Esta é a segunda.

        A mulher era jovem, tinha no máximo 23 anos, suor escorria de sua testa por conta do esforço, a maquiagem estava borrada e a tiara da cabeça toda torta. O vestido manchado de sangue, e um lado dele rasgado, este que continha o sangramento torácico do moribundo ali.

        ㅡ Vamos movê-lo.ㅡ orientei ao parar a maca ao lado de um leito com respirador.

        A moça desceu de cima do rapaz, não sabia ao certo o que ela era dele, mas parecia importante. O movemos para um leito normal e os paramédicos saíram dali. Eu iria desamarrar o tecido de seu ferimento, mas seu peito começou a inflar e a respiração a falhar.

       ㅡ É pneumotórax por tensão. ENFERMEIRA, TRAGA UMA AGULHA DE CALIBRE VINTE, RÁPIDO!!!ㅡ berrei.

       Antes que a enfermeira chegasse, num  movimento rápido, a noiva ali arrancou uma de minhas canetas no bolso do jaleco, rasgou o terno e socou-a na traqueia do homem, fazendo com que ele voltasse a normal.

      Olhei estupefata para a mulher, que respirava ofegantemente e aliviada:

       ㅡ O que exatamente você é?

       ㅡ Estudante de medicina, estou no quarto ano.

       ㅡ Seu noivo vai precisar de cirurgia, quer assistir?

       ㅡ Ele não é meu noivo... Ainda. E não sei se consigo assistir à cirurgia da pessoa que amo, tenho medo.

       ㅡ Como assim ele não é seu noivo?ㅡ a questionei.

       ㅡ É uma longa história.ㅡ ela riu.

       ㅡ Você vai me contar, eu faço questão de pôr este homem nas mãos do cirurgião de plantão só para vir aqui ouvir esta história.ㅡ me levantei  ㅡ Ande, me acompanhe até o centro cirúrgico.

        Ela abriu um sorriso, talvez eu fosse divertida a seus olhos. Ela se levantou e me ajudou a empurrar a maca. Do lado de fora da sala, ela brincava com a barra do vestido arruinado, parecia apreensiva. Saí dali e peguei dois copos de café, um deles a entreguei:

        ㅡ Você salvou a vida dele, sabia?ㅡ disse me sentando ao seu lado.

        ㅡ Aquilo foi um milagre, eu só contribuí.

        ㅡ Pare de ser modesta, eu vi o quanto estava assustada e com medo, mas você lutou. Você fez o que pôde e o que não pôde para salvar a vida dele, mesmo sendo apenas uma estudante, você pôs os seus conhecimentos à prova e mostrou a todos o seu talento e a sua força.

        Ela levantou a cabeça, me olhando com ternura e olhos marejados, parecia feliz ao ouvir aquilo.

        ㅡ Agora me conte, como assim ele não é seu noivo?

        Ela começou a me explicar e no final, de tão cansada, acabou adormecendo sobre meu ombro. Pedi que um enfermeiro a carregasse até o quarto onde o namorado ficaria, assim finalizei meu plantão chorando por uma história de amor.


The same apartment - Lee KnowWhere stories live. Discover now