Josefine - Pó de anjo.

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O homem que me leva em seu carro curiosamente não me dá medo, porque para falar a verdade, eu evito homens, eles representam algo ruim para mim. Sempre assisti cenas onde eles agiam como animais, o sexo, ah que nojo a forma que eles batiam na minha mãe, e diziam coisas ruins. Não pela minha mãe, que com o tempo percebi que ela gosta disso nos homens, mas porque é uma coisa suja e feia aos meus olhos; não sou uma garota  padrão. Eu não gosto de mostrar meu corpo também, isso porque com nove anos eu usava uma camiseta curta e furada quando um "cliente" bêbado da minha mãe me chamou perto dele e apagou o cigarro perto do meu umbigo, aquilo doeu tanto, eu chorei em silêncio porque a Marilu não gostava do meu barulho, e com certeza iria me por de castigo. Hoje eu sei que aquilo que senti, foi humilhação; se submeter ao mau trato, sendo menosprezada.

Esse moço surgiu do nada, me salvou de ser vendida, me deu um lanche e um chocolate, não sei o que um anjo faz, mas eu acho que ele é um; ouvi dona Maria dizer que os anjos nos livram de todo mau e hoje o meu era uma mãe coração de pedra e uma fome do tamanho do Rio Amazonas, então Caio veio lá do céu.

Contra todos os meus medos, eu aceitei que ele me levasse para sua casa, seu jeito sério e confiante não me deixou margem para dúvida, pela primeira vez eu tive certeza que alguém estava me ajudando de coração. Ele não me olha com aquele jeito estranho que os homens do beco fazem, ele não me tocou ou falou palavrão, Caio é muito diferente, parece que ele sabe do que eu não gosto; seus olhos são bondosos e ele é grande e forte mas não assusta.

Chegamos em um prédio do centro e sigo seus passos, até que adentramos um elevador, começo a sentir um aperto no peito, e a visão fica nublada, há um sufoco em minha mente me levando para o banheiro da escola aos sete anos, onde o inspetor me prendeu no escuro porque uma colega disse que passei uma rasteira nela e por medo de defender não disse que foi ao contrário. Aperto as mãos em punhos, puxo o ar, me desequilibro um pouco e seguro nele, rapidamente Caio me envolve em seus braços quando sinto meu rosto molhado e sua mão afagando minhas costas com palavras suaves a me despertar do transe.

"Calma, respira, eu estou aqui, Shhh, já estamos chegando"

As portas se abriram, o coração foi desacelerando, abri meus olhos devagar, pronta para ouvir um sermão por fazer frescura, é sempre assim quando passo mal perto da minha mãe. Encontrei os olhos dele atentos e preocupados sobre mim,  sua mão tocando meu rosto, secando minhas lágrimas, o que estranhamente me deu vontade de chorar mais, e eu cerrei meus dentes para sentir seu toque, é bom, suave, acho que as pessoas chamam isso de carinho; deu vontade de afundar minha cabeça em seu peito, só para continuar ali recebendo sua atenção generosa.

______ Venha sente-se aqui Josefine, vou pegar um pouco de água para você, porque não me contou que é caustrofóbica?

Dou de ombros meio sem graça, do jeito que ele me chama atenção, me sinto o boba por não avisar.

______ Eu não queria incomodar, deve estar cansado para andar pelas escadas.

_______ Desde quando passa mal em elevadores?

_______ Não sei direito, mas elevadores me lembram quando ficava de castigo no banheiro escuro da escola, onde eu chorava até perder o ar e sufocava, depois apagava e só acordava com cheiro de álcool na hora de ir para casa, daí eu fiquei maior e não entrava mais lá, porque tinha medo, fui parando até que no sexto ano tive  febre por uma semana, e minha mãe não tinha como comprar remédios, fiquei fraca, e não aguentava caminhar até o colégio, parei de ir, foi um alívio, ninguém gostava muito de mim lá.

Eu e minha boca grande. Falei tanto de mim e nem percebi, ele parece tão interessado quando falo, que acabei dizendo mais do que devia, ou contei algo de errado que eu fiz, pois ele tem um vinco na testa e uma careta nada satisfeita; será que ele vai falar para eu voltar na escola?

Respiro resignada, não é fácil ser Josefine Almeida, eu sempre faço coisas que não devia, sou muito boba, e para piorar não tem ninguém para me ensinar a falar ou fazer as coisas na frente dos outros; é difícil não ter modelo para seguir, Marilu nunca me ensinou nada, exceto a fazer macarrão instantâneo.

Divago em minha vida medíocre e sou despertada pela mão dele sobre a minha.

_______ Não é você o problema Josefine, são as pessoas; elas se preocupam demais com si mesmas e atribuem importância a outras desde que tenham alguma vantagem, não observam quando uma pessoa é valiosa porque tem um coração bom, é uma boa companhia ou merece uma chance, o mundo é cruel garota, mas fica tranquila, posso ajudar você mas precisa parar de ficar com medo, não tem nada de errado em ser você mesma; ter sonhos e trabalhar, lutar e vencer, isso te faz ser brilhante, bonita e admirável; nunca aceite preconceito ou desprezo das pessoas porque é filha da prostituta, você não é ela.

Escuto ele falando essas coisas bonitas e meus olhos marejam, me sinto uma pessoa como as outras; só pode ser pó de anjo.

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Obrigada por ler >>
> QUERO SER SUA.

Ótimo sábado, um abraço!

😘😘😘😘





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