Me salve

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Chat Noir fitava a garota de forma preocupada, ela estava deitada abraçada a uma pelúcia de gato e em silêncio. Nem ao menos notou a presença dele ali, e isso de certa forma era desesperador. Se sentia completamente invisível, Marinette havia sido a única coisa que o impedia de enlouquecer.
A aflição o dominou por dentro ao vê-la naquele estado, ele e Marinette tinham uma espécie de ligação, se ele havia se sentido mal mais cedo provavelmente Marinette também se sentira, apenas não do mesmo jeito que ele. 
Espantou seus pensamentos numa sacudida de cabeça. Não importava mais.
Suspirou pesado, e subiu as escadas que levavam para a cama dela. 
– Mari...
Marinette deu um resmungo com a boca fechada, se mexeu de forma desconfortável na cama e o fitou.
Ela sentiu um embrulho no estômago ao vê-lo em sua frente com aquelas orbes verdes e preocupadas a olhando. E provavelmente as mesmas íris verdes de Adrien Agreste.
Ainda achava cedo demais para estar novamente à presença dele, ainda tentava digerir as informações.
– E a-aí – Balbuciou.
– Tudo bem? 
O felino se aproximou ainda mais dela e tocou em seus fios de cabelos os acariciando.
Marinette cerrou os olhos apreciando o ato dele. – Sim. – Ela sussurrou. – Chegou tarde, nunca se atrasa. Fiquei preocupada.
– Desculpe, tive alguns...
– Contratempos. – Ela completou a frase dele zangada.
Chat Noir franziu o cenho e assentiu. – É… isso mesmo.
Ela cruzou os braços sobre o peito. – Me prometeu que isso não se repetiria. 
O felino piscou várias vezes com a informação e deu um sorriso terno com a memória, o dia do primeiro beijo de verdade deles, era tão surreal.
– Eu sei... Perdoe-me por isso, Princesa.
– Tudo bem. 
Ela suspirou e olhou para o fundo das íris esverdeadas dele se perdendo ali. Um frio na barriga passou por ela e a sensação de Deja vú. Era tudo tão estranho e familiar perto dele.
Não resistiu ao elevar as mãos para passá-las pela face dele. Porém, tomou um leve susto ao notar que mais uma vez - ele se encontrava fria. Uma temperatura nada normal, que fazia seu coração palpitar. Praticamente o forçou a deitar do lado dela e o tapou com a coberta quentinha.
– Obrigado. 
A mestiça assentiu e pôs sua mão direita sobre a bochecha dele de forma afetuosa e preocupada. Era agonizante tê-lo daquela forma, tão frio. Isso parecia deixá-lo cada vez mais distante. E ela não queria isso.
Se aconchegou perto dele tentando lhe passar calor. O gato passou os braços por ela abraçando, e ela fez o mesmo.
– Precisamos conversar.
– Eu sei... – Ele respondeu vagamente. – Apenas queria mais tempo.
– Tempo é o que menos temos, Gatinho.
Ele deu um suspiro que foi abafado pelos cabelos dela, e se mexeu quebrando um pouco do abraço - apenas o suficiente para fita-la.
– Faça suas perguntas.
Ela deu de ombros e passou a mexer no guiço do uniforme dele como uma criancinha distraída. Mas os dois sabiam que por parte dela isso significava nervosismo.
– Por que você está gelado? 
O felino fechou os olhos e respirou fundo. Se preparava para o conflito interno que teria para responder a pergunta. 
– Acontece quando nos desequilibramos. – Ele murmurou abrindo os olhos. – Lembra-se da história de Yin e Yang, certo?
Ela assentiu lentamente, prestando atenção a cada fala dele.
– Pois bem, essas energias necessitam sempre estarem em equilíbrio.
– E o que acontece se não estiverem? 
– Quando uma energia se desequilibra ela fica tão poderosa que a outra é forçada a agir. Para voltarem novamente ao estado natural.
– Desculpa... – Ela franziu o cenho. – Mas não entendi.
– Eu porto as energias negativas, Marinette. Destruição, azar, trevas, essas coisas. Você é meu oposto, criação, sorte, luz.
– Isso é confuso. – Ela falou. – O que houve hoje para você ficar assim?
Ele deu um suspiro triste e pesado. – Eu vi algo que não queria e me desequilibrei. Foi à algumas horas atrás, por isso demorei. Aconteceu casos parecidos nas últimas vezes. No primeiro não gostei de você perto de Luka e fiquei com raiva e no segundo você ficou tão zangada que  que minha energia foi obrigada a agir.
– Mas por que isso não acontece comigo? Sabe ficar fria, sentir dor.
– Você pende mais para o lado emocional e eu o físico. – Ele disse com a voz calma e aveludada. Se preparava mentalmente para o que veria a seguir, mas ele não podia enrolar mais ela tinha e merecia saber. 
– Antigamente, essas coisas não nos atingiam muito. Mas desde que eu passei a ser "invisível", isso vem aumentando cada vez mais. As coisas não são do mesmo jeito quando você deixa o mundo físico. E a cada dia que passa, as consequências demoram mais para sumir, até eu deixar de existir. Porque querendo ou não, já estamos desequilibrados, você não tem mais o miraculous, apenas sua energia interna, e eu bem... Posso ter meu anel, mas... - ele fez uma careta, não precisou falar mais nada para a garota entender.
Ela ficou em silêncio por alguns minutos, absorvendo todas as informações. Se mexeu desconfortavelmente na cama, tentando achar um ponto que a acomoda-se.
– Sinto muito… – Ela por fim olhou as orbes do rapaz. – Não fazia ideia que você passava por isso, e ainda, piorei sua situação. 
A menina sentiu os olhos marejando, já estava pronta para abrir um novo chororô se não fosse pelo loiro a prestar apoio.
– Não fique assim, aconteceria de qualquer jeito. 
– Mas eu adiantei isso. – Murmurou triste escondendo o rosto no peito dele. Não queria que ele a visse chorar de novo.
– Não. – Ele afirmou, sua voz se embargando aos poucos. Em sua mente reprises do que ocorrera com eles passavam em câmera lenta, cada mísero detalhe o assombrando sem pausas. Cada gota de suor e sangue derramados vindo à tona em sua cabeça. 
Fechou os olhos com força enquanto se deliciava do cheiro adocicado dos cabelos azulados dela, tentando esquecer o que seus olhos vislumbraram uma vez. Respirou fundo, a amava demais.
– Você tentou me salvar.
A mestiça se encolheu mais naquele abraço, sentia a garganta seca com a possibilidade que rondava a mente de ambos.
Mas não. Ela não deixaria.
– Eu vou te salvar. – Disse determinada, e ela nunca tivera tanta certeza na vida quanto naquele instante.

(...)

Ela olhava pela janela de vidro, uma leve garoa caía do lado de fora e molhava o vidro. As gotas de chuva deslizavam graciosamente por ele, como em uma corrida silenciosa para ver quem chegava primeiro ao solo.
A kwami da criação soltou um suspiro triste e se sentou na janela. Cada dia que se passava sem sua portadora era uma espécie de tortura, as duas tinham um laço emocional forte. Como todo Kwami tem com seu portador.
Era difícil, embora tivesse passado pela dor da separação muitas vezes, ainda sim era complicado.
Ver todas as suas portadoras e portadores crescerem, se apaixonarem e então tudo ir pelos ares. Na maioria das vezes era assim, um final trágico com sangue derramado - e quase sempre o sangue de quem porta a destruição - não era a toa que Plagg buscava ser sempre irritante com seus donos, ele não queria se apegar e sempre fracassava nessa tarefa, suas donas desistiram logo depois, alegando não saberem conviver com a dor da perda.
Eram poucos os que possuíam o miraculous de Ladybug e Chat Noir que conseguiram ter um final feliz, e Tikki realmente esperava e torcia para que Adrien e Marinette conseguissem esse final, com tudo que tinham direito. Uma casa não muito grande mas que fosse aconchegante, Marinette alcançando seu sonho de designer de moda, Adrien se tornando professor de física (embora ninguém entendesse como ele queria isso), os dois casados, três filhos e um hamster. Os dois mereciam um final de contos de fada.
Mas agora, Tikki sentia que todas suas esperanças haviam sido jogadas pelo ralo, e mais uma vez ela se viu naquele mesmo e ciclo. E ela odiava isso.
Muitas vezes pensava em desistir, pegar seu miraculous e se isolar em uma caverna distante para nunca ser achada, mas algo sempre a trazia para realidade. Não poderia simplesmente virar as costas para a humanidade. Isso não era o certo, mas o certo era muitas vezes cruel.
Deixou uma lágrima solitária escapar, queria Marinette de volta. Mas a questão era: E Marinette a queria de volta?
Rezava para que a resposta fosse sim. E rezava mais ainda para seus instintos estarem certos, e ela realmente estar sentindo a energia da destruição ativada. Ela estava fraca e distante, quase não existia. Mas ela estava lá, em algum lugar. E a joaninha cruzava os dedos para que isso fosse verdade e não mais um de seus delírios para poder voltar para sua dona.
– Tikki! – Marianne berrou em algum cômodo da casa. – Venha aqui! 
A pequena suspirou, queria um tempo sozinha. Flutuou devagar e cabisbaixa até a mulher. Atravessou a porta e observou a idosa. Ela estava de pé, tinha seus cabelos grisalhos desgrenhados, uma xícara de chá se encontrava aos pedaços e com o líquido derramado ao chão, o tablet dado à ela por Emilie se encontrava em cima da cama, a mulher tinha respiração pesada e em suas orelhas os brincos da criação reluziam.
– Me ajude a fazer as malas. – Marianne disse com a voz incrédula e assustada. – Vamos voltar para Paris.

Remember meOnde histórias criam vida. Descubra agora