Capítulo 23

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O caminho até o Rock's foi um dos piores em toda a minha vida. Fiquei pensando em Caleb, em Hugo, em tudo que havia acabado de acontecer. Chorei até a metade do trecho da rodovia e depois me forcei a pensar em estratégias para conseguir salvar os meus amigos passando despercebida, principalmente pela minha antiga versão, que no momento ainda é a atual. Que loucura.

Quando soube da magia da máquina pela primeira vez, tive a sensação de que era a minha máquina dos sonhos, que eu a usaria para reviver os meus melhores momentos, mas nunca pensei que teria que reviver um pesadelo. Toda magia vem com um preço, como dizia Rumpel em Once Upon A Time.

Quando chegamos até a porta do bar, insisti para que Danielle e Gabriel fossem embora. Eles ficaram sem entender nada, mas eu não tinha psicológico, nem tempo para contar a história da máquina. Eles disseram que iam até a polícia e eu assenti, lembrando que toda a história iria mudar. Antes de entrar no portão, me debrucei na porta do motorista e abracei Danielle, depois estendi o braço direito para o Gabriel. Então, após segundos silenciosos, me virei e saí correndo para a máquina.

Queria que Hugo estivesse aqui. Ele não saberia o que fazer, assim como eu. Numa situação como essa ninguém tem certeza de nada, mas com certeza ele teria um milhão de alternativas, enquanto na minha cabeça só rodeava uma única.

O lugar estava vazio, mas tinha uma luz acesa vindo na direção da cozinha. Parei em frente à máquina. Uma música. Que música poderia descrever um momento assim? Pesquisei mentalmente algumas músicas melancólicas e coloquei para tocar Bohemian Rhapsody da banda Queen, que se encaixava perfeitamente. Fechei os olhos e tentei imaginar qual o melhor momento para voltar no tempo. Lembrei do instante em que estávamos adentrando o galpão, passando pelo depósito de ferramentas. Um segundo após, o botão da máquina brilhou e eu já estava naquele lugar novamente.

Decidi esperar alguns minutos escondida detrás do galpão, até que Ícaro levasse Danielle e Tiago para fora da estrutura. Mas como eu me livraria de Ícaro? A resposta mais óbvia era a de que eu não me livraria, era Tiago. Foi ele quem machucou Ícaro e conseguiu se desamarrar.

Depois de minutos que pareciam uma eternidade, saíram duas pessoas de dentro do galpão, primeiro Ícaro, indo em direção a um Fiat Uno antigo parado em uma das laterais do terreno e depois o garoto que ajudou no sequestro de Felipe. Quando chegaram ao carro, os dois começaram uma pequena discussão sobre quem iria dirigir o veículo, até que o homem de meia-idade gritou Ícaro e ele voltou ao galpão, enquanto o garoto pegou as chaves e saiu correndo com o carro. E quem é covarde é o Caleb, pensei. Logo depois Hugo saiu do galpão, indo em direção ao carro de Danielle para chamar o Gabriel, eles saíram rumo à cidade e ao pai de Felipe.

Durante os minutos em que fiquei escondida, tentava repassar todas as conversas, eu era a única pessoa que tinha o panorama real de tudo que estava acontecendo, era a única que poderia manipular os acontecimentos a nosso favor.

Finalmente, Ícaro saiu com Danielle e Tiago amarrados nas mãos por cordas grossas. Ele pediu que eles se ajoelhassem e ficassem quietos no chão da lateral esquerda do galpão. Ícaro ficou vigiando atentamente os dois, caminhando de um lado para outro, assim como provavelmente seu líder estava fazendo comigo e Caleb, enquanto contava sua história. Mais alguns minutos se passaram e Tiago ainda não havia conseguido se soltar. Vi que ele nem estava tentando, suas mãos amarradas, assim como as de Danielle, estavam viradas para o assassino, ou futuro assassino, que seja. Seus rostos estavam abaixados, numa posição que parecia que iriam ser fuzilados. Me deu um calafrio só de pensar. Mas Tiago subitamente ergueu sua cabeça e tive quase certeza de que olhou para mim. Estava tão escuro, será que ele realmente me viu? Esperei mais alguns minutos, nenhum movimento. Decidi então rodear o galpão, até que fiquei detrás de Ícaro. Mais alguns minutos se passaram, até que avistei um pedaço de madeira à minha direita. Será? Peguei a madeira lentamente, que por sinal estava pesadíssima, me aproximei e lancei-a na cabeça de Ícaro.

— Nanda? — disseram Tiago e Danielle em uníssono. Levei meu dedo indicador à boca, que por sinal estava doendo e tremendo ao mesmo tempo, pedindo que eles ficassem em silêncio. Depois me ajoelhei na frente deles, ajudando-os a desamarrarem as cordas.

Quando todos se recompuseram, fui até onde Ícaro estava e peguei a arma guardada em seu bolso.

— Quem fica com isso? — sussurrei. — Não saberia nem usá-la.

— Eu. — Disse Danielle rapidamente, olhando de Tiago para mim. — Fiz aulas de tiro. — Entreguei a arma a ela. Depois vi que Tiago estava encarando o pedaço de madeira no chão.

— Não. Não faz isso, vai ser pior. — Disse, suplicante. Tiago pareceu confuso. — Vamos armar um plano, tudo bem? — os dois assentiram.

Dessa vez, ao invés de Tiago, quem entrou no galpão foi Danielle. Amarramos Ícaro para que ele não aparecesse mais de repente. Ela apontou a arma para o homem de meia-idade, ainda de costas. Ele riu.

— Vocês estão de brincadeira comigo? A criança conseguiu tomar a arma do Ícaro? — ele virou para ela.

— Quer pagar para ver a criança? — perguntou Danielle, sombriamente. Os dois começaram uma briga mais psicológica do que física. De repente, Caleb prendeu minha versão antiga com seus braços.

— Vamos embora, Luciano. Esquece essa dívida, vou trabalhar com você e vamos ganhar muito dinheiro. — Disse Caleb para o homem de meia-idade, suplicante.

— Não! — respondeu Luciano, sem desviar o olhar de Danielle. Ele atirou uma vez próximo dela, mas não tão próximo a ponto de acertá-la. Provavelmente queria testá-la. Porém, Danielle se manteve firme. Ela parecia uma criminosa dos filmes. Para retribuir, Danielle também atirou, mas no vidro de um carro próximo a ele, sem desviar o olhar de Luciano.

— Me solta! — a outra Ananda gritava para Caleb. Eu estava escondida na copa. Tiago havia ligado para a polícia e provavelmente entraria na briga dali alguns segundos.

Tiago entrou de uma vez pela porta do corredor e atacou Caleb com murros e chutes, por pouco ele não descobriu meu segredo. A antiga Ananda caiu no chão quando Caleb a soltou e Luciano, num piscar de olhos, guardou a arma no bolso e se infiltrou na luta. Luciano por si só já era muito mais forte que Tiago, mas com Caleb ajudando, Tiago não aguentaria por muito tempo. A antiga Ananda começou a chutar, pular em cima de Caleb, mas de nada adiantava, até que Luciano nocauteou-a e ela caiu no chão desacordada. Enquanto isso, Danielle estava tentando mirar em Luciano ou em Caleb, mas era muito arriscado. Quando ela viu minha versão antiga caída, atirou no teto, fazendo-os se distanciarem. Eu tenho que agir agora, pensei e me pus a levantar.

Nunca fui muito de agir. Sempre quando acontecia uma situação inesperada, como uma possível batida de um carro, alguém desmaiando ou se machucando e eu estava presente, é como se eu não estivesse realmente lá ou se estivesse, como se eu não pudesse fazer nada para ajudar. Sentia como se tudo estivesse em câmera lenta e eu estivesse em uma espécie de transe e não conseguisse me mover. Era uma das piores sensações do mundo. Não poderia acontecer dessa vez, não comigo.

Saí pela porta lateral do depósito de ferramentas, segurando em uma das mãos uma faca grande que encontrei na copa. Dei a volta no galpão, até que cheguei à beira da entrada. Luciano estava segurando Tiago enquanto incitava Caleb a esmurrá-lo e Danielle parecia estar no transe ao qual eu me referia, ou estava concentrada demais, esperando alguma brecha. Pois esta acabou sendo a minha brecha. Entrei pelas fileiras laterais da esquerda do galpão e corri até o final, até que avistei no final da última fileira os pés da antiga Ananda. Ela ainda estava desacordada, então puxei-a e a deixei de lado. Respirei fundo e olhei disfarçadamente para os três. Luciano havia acabado de soltar Tiago, que estava no chão, ainda acordado, porém sem forças. O homem pegou a arma do bolso da calça e Danielle atirou em sua direção, acertando seu braço direito, depois ela se escondeu atrás de uma das fileiras. Caleb ficou parado, esperando a reação de Luciano, mas este só passou os dedos no braço e riu.

— Que pena, não foi dessa vez. De raspão. — Disse e de repente seu rosto voltou a ficar sombrio. Ele pegou a arma novamente, que havia caído no chão com o susto e apontou-a para Tiago. Saí correndo com a faca na mão direita e quando cheguei próxima de Luciano, pulei, segurando a faca com as duas mãos e cravando-a em seu ombro. Ele me empurrou, ouvi um tiro e caí bruscamente em cima de uma grande janela que estava apoiada numa das paredes do galpão.

— Nãaao! — uma voz gritava.

Depois disso, não vi e nem ouvi mais nada.

A garota do tênis brancoWhere stories live. Discover now