02 - control

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Bom, então é isso, eu pensei comigo mesma, parada na calçada da estação de trem encarando a tela do meu celular, completamente sem reação. Em menos de vinte e quatro horas um piloto de fórmula 1 super famoso me ajudou a salvar o meu vestido de ser arruinado por uma mancha, me emprestou uma roupa dele, pediu o meu telefone e agora está me seguindo no instagram. O que está acontecendo??????

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O som de uma buzina me arrancou do completo transe que aquelas notificações tinham me causado, e eu me dei conta de que ela vinha do carro que eu mesma tinha pedido pelo aplicativo, e que já devia estar parado ali há alguns minutos. Eu me atrapalhei para entrar no banco traseiro com a minha mala de bordo, a bolsa e a mochila do notebook, sentindo o cabelo grudar no meu rosto. O coitado do motorista deve ter achado que eu era uma maluca, mas eu tinha coisas mais importantes para me preocupar naquele momento, como o que eu responderia à mensagem adorável que Charles deixara no meu instagram.

Meus polegares flutuaram sobre o teclado do celular por alguns minutos enquanto eu forçava o cérebro a trabalhar, até que eu finalmente digitei: "Obrigada. Deu tudo certo, já estou em Coimbra.", mais uma vez dando muito mais detalhes do que era necessário, mas apertei o botão de enviar antes que eu acabasse desistindo. Decidi que lidaria com as consequências daquilo quando elas aparecessem, se elas aparecessem. Enquanto o carro percorria a distância entre o aeroporto e a universidade, eu pensava que agora eu precisava reprogramar a minha cabeça para entender que a viagem tinha acabado e eu tinha voltado para casa e para as minhas responsabilidades, a minha monografia do mestrado não ia se escrever sozinha e eu tinha pouco menos de um mês até o prazo para entregar a primeira parte dela, então devia me concentrar.

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As tais das minhas responsabilidades me atingiram com tudo bem no meio da cara antes mesmo que eu pudesse pensar em fugir delas, no instante em que eu entrei no meu quarto na cidade universitária. Em meio aos meus livros de arte e papéis cheios de anotações da minha orientadora em cima da escrivaninha, minha atenção foi atraída diretamente para o envelope da reitoria da universidade com o boleto do aluguel que eu deveria ter pagado há uma semana, mas tinha ficado tão ocupada organizando a viagem para Barcelona que acabara esquecendo. Merda.

Os dormitórios do campus eram geralmente destinados aos alunos da graduação, mas nem todos ficavam ocupados, e os que sobravam eram destinados para pessoas como eu, que estavam matriculadas no mestrado ou doutorado mas não moravam na cidade. No entanto, por não sermos alunos da graduação, precisávamos pagar um aluguel simbólico pelo quarto, que era definitivamente muito mais barato do que qualquer outro lugar na cidade e eu conseguia cobrir com parte do valor que a bolsa do mestrado me pagava. Porém, isso também nos dava direito a termos quartos individuais e, apesar de ter sido muito amiga da minha colega de quarto na graduação, poder passar a maior parte do tempo sozinha era muito gratificante, além de colaborar com o foco que eu precisava ter no meu trabalho. Essa vantagem, somado ao valor baixo e de já estar dentro do campus, me poupando tempo e gastos com transporte, compensava pelo fato de viver cercada por alunos recém-chegados na universidade, que tinham acabado de sair da adolescência e eram barulhentos demais para o meu gosto.

Eu mal tinha entrado no quarto e largado a minha bagagem em um canto junto da cama quando saí novamente pela porta, não antes de tirar o conjunto de moletom de Charles, que era quente demais para aquela tarde de primavera em Coimbra, dobrando as peças cuidadosamente e deixando-as sobre a minha cama. Aproveitei o horário em que a maioria dos alunos estava em aula e o campus ficava mais vazio para comer alguma coisa rápida na praça de alimentação, agora com o boleto do aluguel no bolso do short para que eu não esquecesse de pagar no banco. Não era à toa que chamavam aquele lugar de cidade universitária, já que, além dos prédios de salas de aula e dos blocos de dormitórios, o campus também contava com agências bancárias, farmácia, um pequeno mercado, uma praça de alimentação digna de um shopping e até um Starbucks. Praticamente tudo que eu precisava estava a uma curta distância do meu quarto.

ℛ𝑎𝑐𝑖𝑛𝑔 ℋ𝑒𝑎𝑟𝑡𝑠 [ᴄʜᴀʀʟᴇs ʟᴇᴄʟᴇʀᴄ]Where stories live. Discover now