24 - end game

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Apesar de as catorze horas de voo até Abu Dhabi serem extremamente exaustivas, Charles parecia não estar abalado pelo cansaço ao pousarmos, ficando ainda mais agitado quando encontramos o resto de sua equipe no hotel, já que eles tinham chegado à capital dos Emirados Árabes algumas horas antes de nós. Aquele alvoroço todo acabou por me atingir também, e eu passei a compartilhar da clara ansiedade pelos dias que estavam por vir com todos os mecânicos, engenheiros e dirigentes da Ferrari que nos cercavam, sentindo um formigamento percorrer o meu corpo e me deixando elétrica de repente, apesar de já passar das onze da noite no nosso fuso horário, enquanto nos relógios da cidade marcavam mais de duas da manhã.

Apesar de toda aquela euforia, Charles ainda era muito regrado com os seus horários, e em pouco tempo nós subimos para o quarto e nos preparamos para dormir, afinal, o dia seguinte já seria cheio de compromissos para o possível campeão. O cenário parecia muito promissor para o líder do campeonato depois das duas últimas corridas, porém, o implacável piloto holandês não tinha se distanciado tanto assim na pontuação, deixando a decisão para a última corrida da temporada, que aconteceria naquele final de semana. A iminência do final do campeonato parecia orbitar ao nosso redor como uma névoa, e novamente parecia afetar a todos da equipe na manhã seguinte, quando nos reunimos com Mia, Giulia, Andrea e Xavi para seguirmos para o circuito Yas Marina.

O silêncio dentro do carro era quebrado apenas por uma música suave que vinha do rádio, e algum comentário de Mia ou Andrea, que seguiam conosco para o autódromo e repassaram o cronograma de Charles para aquela quinta-feira. O monegasco, que dirigia tranquilamente a Ferrari Portofino prateada, parecia mais calmo agora que estava inserido na rotina com a qual estava acostumado todos os finais de semana. No entanto, uma mudança sutil na sua expressão facial me indicou que o nervosismo voltara a se fazer presente dentro dele assim que chegamos ao circuito e fomos recebidos por dezenas de jornalistas, ansiosos por um clique ou uma palavra que fosse do jovem piloto da scuderia italiana que poderia se consagrar campeão do mundo dali três dias.

Como era de costume, Charles sorriu e acenou cordialmente para todos à sua volta, por sorte sendo acompanhado de perto por sua assessora de imprensa, e Mia logo deu um jeito de dizer que ele iria responder todas as perguntas durante as coletivas daquele dia, fazendo com que conseguíssemos transpor o mar de repórteres com certa tranquilidade. Ainda assim, eu tinha consciência de que todos aqueles olhares atentos que seguiam Charles, e continuariam seguindo-o durante todos aqueles dias, aumentava ainda mais a pressão que rondava aquele final de semana e, por isso, apressei o passo para ficar ao lado dele e envolvi sua mão com a minha, fazendo-o lançar um olhar surpreso na minha direção.

Eu sabia o quanto aquilo tudo deveria estar pesando sobre os ombros de Charles, e estava disposta a fazer o que fosse possível para tentar confortá-lo. Até mesmo aparecer na frente de todos aqueles jornalistas com os dedos entrelaçados aos dele, apertando com força a sua mão numa tentativa de dizer "Eu estou aqui com você e vai ficar tudo bem", da mesma forma que eu fizera na cabine do avião no dia anterior. Apenas alguns segundos foram necessários para a expressão de espanto de Charles se transformar em gratidão, e eu senti um calor se espalhar pelo meu peito quando ele apertou a minha mão de volta, me oferecendo um sorriso cúmplice enquanto caminhávamos até os boxes da Ferrari. Depois de tanto tempo me preocupando com o que as pessoas poderiam pensar ao nos verem juntos, a sensação de andar de mãos dadas com Charles em um momento tão importante era quase empoderadora, e eu fui tomada por um rompante de confiança que eu torcia para conseguir transmitir a ele através do contato entre as nossas mãos antes que ele partisse para as entrevistas do dia.

Tentando acompanhá-lo à distância, eu colei as costas nas paredes do paddock quase numa tentativa de me fundir à elas para não atrapalhar a passagem de ninguém, ainda que Charles insistisse que eu nunca atrapalhava. Eu o assisti dar entrevistas para diversos canais de mídia do mundo inteiro durante toda a manhã, e o meu coração errava uma batida toda vez que, em meio à resposta para a pergunta de um jornalista, os olhos dele buscavam os meus e ele dava um meio sorriso, logo voltando a atenção para o microfone à sua frente. Depois do delicioso almoço servido pela equipe italiana, Charles se desculpou por precisar me deixar sozinha, já que teria reuniões com os seus engenheiros e mecânicos naquela tarde, pousando os lábios suave e demoradamente sobre os meus antes de entrar para a pequena sala de planejamentos e estratégias do motorhome.

ℛ𝑎𝑐𝑖𝑛𝑔 ℋ𝑒𝑎𝑟𝑡𝑠 [ᴄʜᴀʀʟᴇs ʟᴇᴄʟᴇʀᴄ]Where stories live. Discover now