38 - monaco

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Depois de uma noite de sono agitada e turbulenta, eu dei um suspiro pesado ao erguer as persianas das enormes janelas da sala e me deparar com a terceira manhã seguida de chuva em Manhattan. Fazia apenas poucas semanas que eu tinha me mudado, e ainda ficava completamente confusa com o clima daquela cidade que não fazia sentido algum. Eu estava acostumada com o último mês da primavera sendo ensolarado e agradavelmente quente, mas, ao invés disso, estava recebendo dias chuvosos, extremamente úmidos, e até um pouco frios, o que, para quem ia e voltava do trabalho caminhando todos os dias, nunca era uma boa notícia. Um único dia chegando no Metropolitan Museum of Art com os pés ensopados dentro dos tênis foi necessário para que eu passasse a levar outro par dentro da bolsa, que não chegaram a ser necessários naquela manhã de quarta-feira, mas que eu não deixaria de carregá-los mesmo assim.

– A maioria das peças já foi enviada – Paige falou enquanto folheava alguns papéis na nossa primeira reunião do dia. – Elas devem chegar na próxima semana, então precisamos estar com toda a documentação de empréstimo finalizada.

– Eu e a Helena estamos com a lista de obras – Julia respondeu, lançando um olhar breve na minha direção, e eu apenas concordei. – Vamos conferir se os contratos estão em ordem hoje mesmo.

– E o que ainda não estiver, podem passar para mim que eu já encaminho para o jurídico resolver – Elliot completou, e nós acenamos com a cabeça para ele.

Eu ainda ficava impressionada com a rapidez com que as coisas aconteciam no MET. Se não fossem as questões burocráticas que tínhamos de lidar, uma vez que as peças usadas na exposição sobre a Grécia Antiga eram extremamente valiosas, e a demora no transporte de grande parte delas que viria de outro continente em enormes navios cargueiros, eu apostava que a mostra já estaria pronta para a inauguração em apenas três semanas. E, se tratando de algo tão grandioso, aquele era um tempo impressionantemente curto se eu comparasse com as exibições que participara antes, e que tinham demorado mais de um mês para serem concluídas.

Somente um dos museus mais renomados do mundo seria capaz de executar um projeto monumental como aquele com tamanha agilidade, e eu estaria mentindo se dissesse que aquele trabalho não era empolgante. Os corredores e imponentes salões do museu me enchiam os olhos, e eu não podia deixar de fantasiar tudo que poderia ser feito ali com todas as facilidades que a nossa equipe muito eficiente tinha em mãos. Porém, na mesma velocidade que a animação das ideias me atingia, ela também ia embora antes mesmo que o dia terminasse, me deixando com a constante sensação de vazio ao encerrar mais um expediente no museu.

A verdade era que eu sentia falta de ter com quem compartilhar todas aquelas ideias e planos ao chegar em casa, e me arrastava pela calçada da Quinta Avenida na direção do apartamento solitário que me esperava. Eu sabia que poderia muito bem fazer uma chamada de vídeo com Charles ou Luísa para falar sobre tudo aquilo mas, além de não ser a mesma coisa do que uma conversa presencial, nós ainda não tínhamos nos habituado com a diferença de fuso horário, e sempre acabávamos perdendo o timing para conseguirmos nos falar durante os dias. Aquela falta de contato mais íntimo com pessoas próximas apenas contribuía para a solidão que vinha me acompanhando como uma nuvem sobre a minha cabeça nas últimas semanas.

Eu conhecia bem a sensação de não pertencer a um lugar, já tendo me mudado de cidade e até de país outras vezes. No entanto, eu me lembrava bem dos meus primeiros dias em Coimbra e Sanremo, em que eu não demorara para me sentir acolhida e bem recebida pelo lugar desconhecido, e tinha me ajustado com facilidade à nova rotina. O que era o completo oposto do que vinha acontecendo desde que eu chegara em Nova York, onde a minha estranheza com a cidade parecia apenas aumentar em vez de diminuir, fosse pela intensidade do ritmo de trabalho que me impedia de realmente me conectar com as pessoas, ou pelo fato dos nova-iorquinos parecerem simplesmente não se importar com a estrangeira perdida no meio daquela enorme metrópole.

ℛ𝑎𝑐𝑖𝑛𝑔 ℋ𝑒𝑎𝑟𝑡𝑠 [ᴄʜᴀʀʟᴇs ʟᴇᴄʟᴇʀᴄ]Onde histórias criam vida. Descubra agora