ℛ𝑎𝑐𝑖𝑛𝑔 ℋ𝑒𝑎𝑟𝑡𝑠 [ᴄʜᴀʀʟᴇs ʟᴇᴄʟᴇʀᴄ]

28 - if you ask me to

A manhã de Natal era um dos meus dias favoritos do ano, mesmo que fosse carregado de lembranças do meu pai, que adorava aquela data mais do que o próprio aniversário. Martim Oliveira nunca foi do tipo que se vestia de Papai Noel nem nada, mas ele sempre fez questão de transformar aquele momento em uma grande festa quando Miguel e eu éramos crianças e, mesmo depois que ele se fora, as suas tradições tinham permanecido conosco. Ainda que já fôssemos adultos, meu irmão e eu não deixávamos de nos sentar sobre o tapete fofo da sala de estar, que não era mais a mesma da nossa infância, mas guardava o mesmo ar de aconchego, e devorávamos os biscoitos de gengibre acompanhados pelo leite com chocolate e especiarias que a nossa mãe sempre fazia, e apenas aquele sabor doce era capaz de me transportar para vinte anos atrás.

Sentados juntos no sofá, minha mãe e Tom nos observavam com atenção enquanto limpávamos as mãos para desembrulhar os presentes que eles tinham nos entregado. Eu lancei um olhar encantado e agradecido a eles ao encontrar um enorme livro de arte urbana em um dos pacotes, sentindo o peso nas mãos ao observar a fotografia que ilustrava a capa, os vários prédios em preto e branco de Nova York eram inconfundíveis mesmo daquele ponto de vista de baixo para cima.

– É tão bom ter as minhas crianças em casa – dona Joana comentou com a voz embargada, e eu achei graça em como ela insistia em chamar seus dois filhos com mais de vinte anos de "crianças".

A troca de presentes continuou por quase uma hora. Eu entreguei um envelope com duas passagens para a Itália para minha mãe e Tom, para que eles conhecessem um pouco do norte do país, mas também me visitassem em Sanremo, e um envelope para Miguel, que rapidamente perdeu o foco nos sofisticados fones de ouvido que tinha ganhado do casal quando descobriu o convite para a corrida de Mônaco no ano seguinte, que eu deixei claro ser um presente meu e de Charles. Eu ainda estava entretida com mais um pacote, que Miguel fez questão de dizer ter contribuído na escolha e também na compra, contendo uma câmera de fotos instantâneas que já me fez pensar em dezenas de cliques para fazer ali naquela sala, quando o meu celular vibrou no chão ao meu lado com uma ligação de Charles, que eu fui atender na cozinha silenciosa.

– Oi linda! – o sorriso radiante com covinhas preencheu a tela do meu celular assim que eu aceitei a chamada de vídeo. – Feliz Natal!

– Feliz Natal! – eu respondi, sem deixar de notar os óculos de armação preta arredondada que eu nunca tinha visto em seu rosto, e também que o sotaque de Charles estava mais forte do que o normal, provavelmente depois dos dias falando apenas francês com sua família. – Eu não sabia que você usava óculos.

– Ah, é – ele deu uma risada fraca. – Só de vez em quando, eu estava jogando videogame com os meus irmãos – eu imediatamente imaginei os três sentados no chão da sala em frente a tv, assim como eu estivera ao lado de Miguel até minutos atrás. – Como está sendo o seu Natal?

Rapidamente, eu narrei os acontecimentos dos meus dias em Amsterdã, deixando de lado o breve encontro com Max Verstappen e a história de "namorada do Charles". Contei o quanto meu irmão tinha ficado feliz com o convite para o GP de Mônaco, vendo o par de olhos verdes reluzirem quando Charles sorriu satisfeito, e então ele também relatou sobre o feriado com a sua família, deixando transparecer na suavidade do seu rosto o quanto aquilo fazia bem para ele.

– Eu estou morrendo de saudade – Charles murmurou, me encarando tão fixamente que eu poderia fingir que não tinha uma tela de celular e milhares de quilômetros entre nós.

– Eu também – respondi com a voz baixa, mordendo o lábio inferior para conter um sorriso. – Mal posso esperar para te ver.

– Eu vou estar aqui te esperando.

As palavras eram simples, mas o peso daquela promessa fez cada centímetro da minha pele arrepiar de ansiedade. Estar com a minha família era incrível, mas eu sentia falta de poder me aconchegar em Charles e ficar no nosso mundinho onde só nós dois existíamos.